De cachoeira em Cachoeira

Egon Dionisio Heck *

O poder sacode sua podre poeira. Brasília se encanta e engalanta para comemorar em alto estilo seus 52 anos de existência e mais de 2 milhões de habitantes (com as cidades satélite). Cachoeira chegou ontem a Brasília e está na Papuda. Os agentes de segurança entraram em greve. Uniram-se aos metroviários e aos professores. O governador jura de pés juntos que não tem nada a ver com Cachoeira e suas cascatas de corrupção. É uma quebra de braços que vai passar pela CPI que já foi aprovada. Portanto estamos num momento delicado da história do país, que vive as contradições de avanços e retrocessos em seu processo de consolidação e aprofundamento da democracia (e capitalismo).

É um momento de festa em Brasília, tendo no horizonte a Copa do Mundo de 2014, com seus bilhões prioritários na reforma e construção de estádios e infra-instrutora para atender os milhões de torcedores que se deslocarão do país e do exterior para as dez sedes da Copa.

Na praça dos três poderes, os quilombolas e representantes indígenas ficaram horas sob o sol escaldante, dançando e cantando, enquanto aguardavam a decisão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sobre a ADIN 3239. O Ministro Peluso votou a favor da ADIN, porém logo em seguida ministra Rosa Weber pediu vista. Com isso a decisão fica adiada.

Novos Ayres pós Peluso
Mudanças na presidência do Supremo Tribunal Federal são sempre momentos de expectativa e esperança. Para os povos indígenas tem sido assim. Pois muitas das terras indígenas tem seu processo de demarcação paralisada por ações que estão no Supremo. E não são poucas. São dezenas, cuja conseqüência é muito sofrimento, conflitos e mortes. É o caso dos Pataxó Hã-hã-hãe, que tem uma ação para ser julgada pelo Supremo a 28 anos. É tempo demais para quem está invadido a séculos. Aos valorosos indígenas desse povo não resta outra perspectiva a não ser irem reocupando o território que há décadas está demarcado e continua invadido. Essa é a razão por que retomaram dezenas de fazendas, recentemente, estando no momento de posse de quase todo seu território de 54 mil hectares.

Os Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, estiveram diversas vezes com o ministro Cesar Peluso quando este era o relator da ação que suspendeu os efeitos da homologação daquela terra indígena de 9.300 ha, no município de Antonio João, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Ali sobrevivem em situação extrema de carestia mais de mil indígenas em aproximadamente 124 hectares de terra. E isso desde dezembro de 2005 quando foram jogados na beira da estrada e após meio ano retornaram para um espaço ínfimo de seu território. E não é pela falta de comprovação da pertença da terra aos índios. Ao contrário, por ser comprovadamente terra indígena, com lado pericial já concluído há vários anos, é que se entende a demora do julgamento.

Com a posse do novo Ministro do STF, os indígenas esperam celeridade no julgamento das ações que estão paralisando o reconhecimento de suas terras. A Ministra Ellen Gracie, quando presidente da suprema corte, recentemente, anunciou que daria prioridade ao julgamento das ações envolvendo os povos indígenas. Infelizmente isso não se traduziu em realidade. Agora uma vez mais os povos indígenas reiteram sua confiança de que finalmente os processos envolvendo seus direitos, especialmente a terra sejam colocados em pauta e julgados para por fim ao sofrimento secular.

Dia de luta dos povos indígenas
Várias lideranças indígenas e suas organizações tem se manifestado no sentido de transformar o dia 19 em dia de luta dos povos indígenas. E o mais importante que isso se dá em aliança e articulação de outros movimentos no campo, especialmente os quilombolas e os Sem Terra. Diante do retrocesso com relação aos direitos constitucionais, particularmente das populações do campo, nos unimos e solidarizamos com essas populações, pois a situação é extremamente grave, como manifestou recentemente a Comissão Pastoral da Terra, em documento à opinião pública "Está em curso uma nova caça aos povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras comunidades tradicionais, por um contingente expressivo de escravocratas, que lançam seus tentáculos em diferentes espaços do Estado Brasileiro e tem apoio de diferentes órgãos da imprensa nacional."

Em várias regiões do país o movimento indígena, juntamente com participação de outros movimentos sociais e populares, realizaram ações exigindo seus direitos. Fecharam estradas em várias regiões do país e promoveram ações de protesto e exigência de respeito a seus direitos particularmente seus territórios e recursos naturais.

Nos anos anteriores o governo, através do Ministério da Justiça procurava marcar o dia do índio assinando pacotes de homologações ou decretos de terras indígenas. Esse ano sintomaticamente o apenas o presidente da Funai assinou três portarias de identificação de terras indígenas. Alguns alimentavam a esperança de que o governo reservaria uma importante surpresa no reconhecimento de terras indígenas e até a nomeação da nova presidência da Funai. Nada disso aconteceu. Ou melhor, continuou acontecendo o quase nada de sempre.

* Egon Heck. Povo Guarani Grande Povo - Cimi 40 anos.

Fonte: CIMI

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