Beatriz Catarina Maestri *
Descaso do poder público
Desde a chegada dos colonizadores os povos indígenas sofrem com os maus tratos, confinamento, expropriação de seus territórios, descaso e falta de assistência do poder público. Vítimas de trabalho escravo, de chacinas, epidemias e doenças infecciosas, tiveram sua população reduzida em milhões.
No que se refere às políticas de atendimento à saúde indígena, desde o período colonial, os órgãos oficiais visaram a integração ou o extermínio da grande diversidade de povos existentes no Brasil. São 240 povos diferenciados, falando aproximadamente 180 línguas específicas, organizando suas vidas a partir de padrões culturais próprios, herdando histórias de muita resistência e persistência frente às investidas dos agressores coloniais e neocoloniais.
Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a população indígena no Brasil é de 817.963 pessoas, sendo que 502.783 vivem em aldeias na zona rural e 315.180 estão nas cidades. Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) contamos, ainda, com aproximadamente 90 povos que vivem em situação de isolamento, os chamados "povos isolados".
Desde 1994, a Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a dividir responsabilidades no atendimento à saúde indígena com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Contudo, a estratégia não resultou em benefícios para as comunidades indígenas que pressionaram o governo federal, exigindo mudanças na estrutura do atendimento.
Com a edição do Decreto Nº 156/1999 e a aprovação da Lei Arouca (23 de setembro de 1999), determinou-se que o governo federal instituísse o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, tendo por base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). Assim foram criados 34 DSEIs para prestar serviços de atenção básica, prevenção e saneamento através de convênios com organizações da sociedade civil e alguns municípios.
Em agosto de 2008, após constantes manifestações do movimento indígena contra a Funasa, devido a inúmeras notícias de corrupção dentro do órgão, por conta do descaso nas ações e serviços, que vinha gerando grande mortalidade infantil e alastramento de doenças, o Ministério da Saúde resolveu ouvir as reclamações dos povos indígenas. Assim, somente em 2010, foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) que veio substituir o trabalho até então feito pela Funasa.
Realidade do atendimento à saúde indígena
Há alguns anos o Cimi publica o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas, constando ali os vários casos de violências sofridas pelos indígenas, incluindo o descaso do poder público em serviços básicos, como é o caso da saúde e da educação. Neste levantamento, constatou-se que em 2010, entre as crianças indígenas, registrou-se um aumento de 513 % de mortes apenas por desassistência. 92 crianças morreram de doenças facilmente tratáveis, 19 delas no Vale do Javari, Amazonas. Este é um dos casos mais graves no Brasil. Em muitas regiões, crianças estão morrendo de malária, pneumonia, desnutrição e hepatite.
Na Grande São Paulo, o quadro não é muito diferente. Os indígenas que vivem nas aldeias, como é o caso dos Guarani Mbyá, recebem acompanhamento através dos/as técnicos/as de saúde que atendem em dois pequenos Postos de Saúde. Entretanto, ainda é alto o índice de crianças que morrem de pneumonia e desnutrição. É preciso, além do mais, destacar que todo este quadro deficitário na saúde se alia à falta de terra, condição fundamental para que estes povos possam ter garantida uma vida mais digna e a continuidade de suas tradições culturais.
No que se refere aos indígenas que vivem nas periferias, persistem muitas reclamações devido à ausência de programas de prevenção, demora no agendamento das consultas, falta de medicamentos e falta de condução para o transporte de pacientes.
Nas Conferências, Fóruns, audiências públicas e outros espaços de debate e pressão por políticas públicas, tem sido constante e firme o posicionamento de indígenas e entidades de apoio, como o Cimi, na busca por melhorias no atual quadro de atendimento à saúde. Somente, o controle social exercido pelas comunidades pode dar maior transparência ao uso dos recursos e à efetividade dos serviços na Saúde.
São lideranças, agentes de saúde e comunidades que se organizam para que seus povos tenham uma vida mais saudável e sejam respeitados em seu direito por um atendimento diferenciado.
* Irmã Beatriz Catarina Maestri - Catequista Franciscana e Missionária do Cimi - SP.
Fonte: Cimi SP