Egon Dionisio Heck *
Caminhada Troca de Saberes 2012 - Ilha do Marajó.
Dona Zuzu, de 62 anos, olha com certo ar de espanto, para um montão de gente passando em frente de sua casa, com grandes mochilas nas costas. Toma coragem e vai para mais perto da estrada. Aquela gente estranha a saúdam. Ela toma coragem - Bom dia, cheguem! E não é que para sua surpresa alguns desses estranhos aceitam seu convite. Ela se apressa em desandar em animada conversa. Oferece café. Vai buscar copuaçu. Oferece umas torradinhas com margarina. E para ela vai se desvendando aquele espanto curioso e vai rolando uma conversa animada, como se fossemos velhos amigos. Seu rosto enrugado, com feições indígenas fala de sua origem, filha de pai turco e mãe maranhense. Logo chegam vizinhas e em pouco tempo a humilde casa é cenário para um pouco de descoberta mútua desses brasis profundos, distantes e desconhecidos.
Hoje acordamos às 4 horas da manhã, e dona Regina que nos acolheu com muito carinho, se despediu do grupo dizendo - não esperava que num único dia fizesse mais de 60 amigos.
Janeiro é um mês especial para um pequeno grupo de brasileiros e de algumas pessoas de outros países. É tempo de deixar suas casas, seus afazeres, seus amigos, seus vizinhos, botar a mochila nas costas e pé na estrada. A pé, caminhando, partilhando vida e esperança, trocando saberes, buscando novas formas de ser e viver nesse planeta Terra.
Esse movimento já se repete há 14 anos, de diferentes maneiras, nos diferentes recantos do Brasil invisibilizado, mas com uma firme convicção - é possível e necessário viver de formas diferentes do que o modele único e carcomido que hoje se pretende impor ao mundo. O falido modelo capitalista neoliberal, que destrói mentes, corações e a natureza, para garantir os privilégios de uns poucos, só leva ao precipício do consumismo e destruição das condições de vida no maltratado planeta Terra-água.
Vindos de várias regiões do país e do exterior, 61 caminhantes, estamos tendo a rara oportunidade de conhecer um pouco desse pedaço Brasil=ilha, a maior ilha marítimal-terrestre do planeta. Marajó é um pedaço de Brasil abraçado pelo rio Amazonas e pelo mar Atlântico. Uma região conhecida pela beleza da cerâmica de seus habitantes indígenas, os Marajoara e muitos outros, infelizmente tidos como extintos. Ou pelo seu rebanho de búfalos, em torno de 60 mil. Porém muito pouco se sabe sobre sua população que em sua grande maioria vive e sobrevive de forma simples, precária, teimosa e esperançosa. Extremamente acolhedores, as comunidades quilombolas e outras que estamos começando conhecer, fazem parte desse Brasil ocultado pelos olhos dos grandes projetos e de um modelo de desenvolvimento que instrumentaliza populações, culturas, povos e os transforma apenas em objetos de seus interesses. É um pouco dessa realidade que vai sendo vivenciada pelos caminhantes que queremos partilhar com amigos e caminhantes por esse país afora, através de nossos informes.
Conhecendo um pouco a caminhada troca de saberes
Esse movimento começou com um pequeno grupo de cinco resolutos e inconformados nordestinos, que resolveram fazer uma caminhada de 8 dias no Canindé, no Ceará. Conforme expressou Ilaide, uma das participantes -"Foi um momento muito forte, de encontro pessoal, mística, sintonia com o universo, com a natureza, com a chuva, com a escuridão,sintonia, comunhão. A máxima que movia o grupo, permanece até hoje é "Verdade, Simplicidade e Amor"
Um outro momento forte do movimento, foi a caminhada do Araripe, em Exu, Pernambuco, em 2008. Foi quando a caminhada começou a assumir o caráter de "caminhada da doação". Foram entorno de 60 pessoas que viveram um momento profundo de união e comunhão, de entrosamento entre si e com a população sofrida do sertão. Para os sertanejos era uma ruma de gente desarrumada, parecendo retirantes, andando não se sabe pra onde, mas deixando rastros de carinho e acolhidas com um pouco de espanto e muito carinho. "Foi uma caminhada com muita força, momentos de oração, de perdão, atendendo a necessidade humana de auto-conhecimento, e doação", diz Laila.
Outro momento forte foi a caminhada no Vale do Gurutuba,Minas Gerais, com comunidades quilombolas, em janeiro de 2010.
Foi uma rica partilha com aquelas comunidades resistentes, lutadoras, vivendo com muita garra na expectativa de por seus direitos, especialmente o reconhecimento das suas terras coletivas. O "Espírito Nativo" foi o guia evocado e presente em todos. No final desta caminhada firmou-se o nome de "Caminhada da Troca de Saberes"
Segue a caminhada pela ilha do Marajó, com o Espírito da Água. Estamos em Bacabal, uma comunidade quilombola, depois de 4 dias de estrada.
* Egon Heck, caminhante, pela equipe de Comunicação da caminhada. Bacabal, 7 de janeiro de 2012
Fonte: Caminhada Troca de Saberes 2012