Amanhecer no caminho

Egon Dionisio Heck *

Sentir a luz esguia da lua abrindo brechas entre as copas das árvores, e caminhantes nuvens é uma sensação ímpar e privilegiadas. Quem está com o pé na estrada e arma sua rede embaixo de acolhedoras árvores pode desfrutar desse espetáculo da natureza. . Mesmo sentindo a visita incomoda de alguns famintos carapanãs (pernilongos), é de encher a alma sentir o silencio da madrugada ser rompido pela sinfonia de inúmeros animais anunciado o amanhecer. Deixar-se envolver pelos primeiros raios da luz do sol, que vai escalando o horizonte, que despertar para mais um dia de caminhada - vamos ir a pé, vamos irmãos. Com esse suave convite todos vão juntando for;as e seus pertences, armando a mochila e partir para mais uns quilômetros desse Brasil invisibilizado, da ilha do Marajó.

Uma das curiosidades diárias na Bairro Alto é um pequeno igarapé (riacho) que aparece e desaparece ao sabor da maré. Ora se transforma num bonito rio de água salobra, ora some, fugindo para o mar. Ele comando o ritmo das gentes, da comunidade quilombola. Quando ele aparece é hora de nadar, pular de arvora s, pegar a canoa ou o pequeno barco e ir em busca da sobrevivência.
Um dos caminhantes fez uma bonita canção a partir dessa realidade.

O MAR LEVOU
Ton Zêira
Cadê o rio que estava aqui
O mar levou, o mar levou
Foi na vazante da maré
O mar levou, o mar levou
Mas cadê o rio que estava aqui,
O mar levou, o mar levou
Foi na vazante da maré
O mar levou, o mar levou
Levou todo o peixe e o marisco
Levou a alegria, deixou a dor
Foi tanta tristeza pro meu povo
Que inté "PRIMAVERA" (boi do festejo) chorou
Ho saudade.
De maré cheia, preamar

(Canção inspirada no povoado quilombola de Morro Alto - Ilha do Marajó)

Inverno no Céu
Uma intensa chuva anuncia a chegada do inverno. Estamos no povoado Céu, na Ilha do Marajó, município de Soure. Janeiro é o mês do início da estação chuvosa, que na Amazônia é conhecida como inverno, em contraposição à outra metade do ano que é o tempo sem chuva, o verão.

Os pescadores da vila saúdam a chegada da chuva, pois ela também anuncia o tempo de maior fartura do peixe. É dele que vivem. É praticamente a única atividade econômica das aproximadamente 50 famílias que aqui moram. Apesar de ser uma região por Deus abençoada com uma linda praia, no estuário dos rios Amazonas e Tocantins, ainda não sofre invasão turística. As águas são apenas salobras e não salgadas como o mar. Dá impressão que o criador, ao salgar o mar, chegou nesta região, já cansado e com um restinho de sal, que aqui derramou. Assim o mar é cá pouco salgado.

As casinhas de madeira, tipo palafita, pintadas com cores vivas, dão o ar de simpatia do céu. Uma bonita igrejinha não poderia faltar. O aruado de casas com muita areia e uma mata aos fundos, torna o local aprazível e lindo. Sua gente humilde e simples completa o cenário do Céu.

De igual característica é Caju Una, distante a uns quatrocentos metros daqui. À noite fomos ter uma roda de conversa com a comunidade, especialmente os anciões. Quando se tratou de falar das leis de proteção da pesca. Inscritas na legislação brasileira e mal cumpridos, seu Pretinho foi logo dizendo - aqui nesse pedaço de praia nois cuida os peixe. Se vem invasor lançar as rede por aqui nois vamos lá, pegamos as redes, estraçalhamos tudo e botamos fogo. Isso já há muito tempo. Essa é a nossa lei, que nós fazemos respeitar. Contou vários fatos de grandes barcos pesqueiros que fazem escolhambação, usando redes proibidas e estragando peixe.

As duas comunidades de pescadores já deslocadas pela força da maré, várias vezes, até hoje carregam a águas em baldes na cabeça, e dependem do carro pipa da prefeitura para terem água para beber e cozinhar. Outra questão polêmica é a porteira na estrada, colocada na fazenda Bom Jesus. Apesar de ser uma estrada estadual, a fazendeira, de elite política e econômica da região, cobra para as pessoas passarem pela porteira. Isso de certa forma, conforme os moradores, impede o desenvolvimento de um turismo nas praias em frente em frente às comunidades.

* Egon Heck - pela equipe de comunicação da Caminhada Trota de Saberes. Soure - ilha do Marajó - janeiro de 2012.

Fonte: Caminhada Troca de Saberes 2012

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