Entrevista - Frei Betto: A força política dos cristãos comprometidos com o Bem-Viver

Cecília de Paiva *

"Tomem cuidado, quem tem nojo de político acaba sendo governado por quem não tem. O que políticos querem é ficar à vontade e livres para fazer lambança".

Entrevista com Frei Betto concedida durante o 8º Encontro Nacional de Fé e Política realizado nos dias 29 e 30 de outubro, na cidade de Embu das Artes, São Paulo, com abordagem sobre as alternativas de Bem-Viver diante da presente crise política e econômica.

Que retrospectiva faz sobre o Movimento Nacional de Fé e Política acerca do que se tem hoje nas comunidades?
Há um certo recesso na Igreja em relação às pastorais populares, Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral Afro, da Mulher, Pastoral Operária, entre outras. Elas não são tão ativas quanto eram nos anos 80 e 90, pois não há tanto apoio dos bispos como havia. Isso porque há uma certa vaticanização da Igreja católica no Brasil que tem preferido incentivar o movimento carismático do que movimentos comprometidos com a linha da justiça.

O Movimento Fé e Política é ecumênico? Isso Contribui para a sua continuidade?
Contribui e muito. Claro que há um peso maior da Igreja Católica. Lamentavelmente, nas igrejas evangélicas o número de pessoas com uma fé progressista é menor. Há uma fé muito arraigada, muito centrada no moralismo e na leitura bíblica, mas sem levar ao compromisso com a mudança da sociedade. Até existe em algumas igrejas uma grande mobilização política, mas é eleitoreira. A intenção é eleger pastores a cargos públicos, prefeitos, deputados e senadores. Na verdade a força política dos cristãos deveria seguir o exemplo de Jesus que é a de lutar por uma sociedade de justiça, sem desigualdades sociais e sem miséria, exclusão, discriminação e preconceito. No caso da Igreja Católica há agentes pastorais e militantes presentes no Fé e Política que realmente procuram atuar por meio de movimentos e até partidos políticos com uma visão mais crítica do sistema político e de busca da sociedade do Bem-Viver que o 8º Encontro simboliza.

Diante disso o que o 8º Encontro Nacional de Fé e Política representa?
Muita esperança. É muito bom ver esse pessoal vindo do Brasil inteiro com dificuldade e esforço, mas comprometido e interessado em refletir a relação da fé com a política e nesse encontro o tema do Bem-Viver. Um encontro para refletir como é que podemos construir um novo projeto de sociedade fora do paradigma do capitalismo, ou seja, queremos uma sociedade não de acumulação do capital, mas de reprodução das condições coletivas de vida.

A juventude neste encontro representa essa esperança?
A esperança é muito bem representada em quem tem menos de trinta anos. É difícil ver um grande revolucionário, um grande militante e ativista que tenha iniciado seu trabalho depois dos trinta anos. Então é agora que se tem de animar essa juventude a se comprometer e a ter uma consciência crítica, engajada nos movimentos. Isso antes que venha o comodismo e a pressão da atividade consumista que só faz pensar no próprio umbigo.

Como vê as mobilizações atuais da juventude no cenário político?
Creio que toda mobilização é válida, desde que se fundamente em um projeto consistente. De todo modo encoraja a participações, desperta para a cidadania e a participações em movimentos sociais porque se encanta, perde o medo. Mas há uma dificuldade nesses movimentos recentes que é a falta de alternativas, pois não basta apenas ser contra. Tem que haver um projeto político e não cair no antipartidarismo. Porque a democracia ainda não inventou outra ferramenta de atuação melhor do que partido político. São eles que gerenciam a coisa pública e eu alerto sempre aos jovens: tomem cuidado, quem tem nojo de político acaba sendo governado por quem não tem. O que políticos querem é ficar à vontade e livres para fazer lambança, sendo preciso incentivar cada vez mais a juventude a participar nessa busca. O caso de 12 de outubro teve aspecto positivo porque havia, além da mobilização contra a corrupção, importantes reivindicações. Entre elas, a validade da Lei da Ficha Limpa a partir das eleições municipais de 2012, o reforço pela punição de juízes pelo Conselho Nacional de Justiça e ainda outros pontos importantes para a pauta política brasileira.

E a reforma política?
A reforma política é mais do que urgente. Do jeito que está não tem como continuar, toda dominada por uma pequena elite, em que os políticos ainda adotam o voto secreto no Congresso. O que é uma vergonha já que a função é pública e o eleitor tem plenos direitos de saber em que vota o parlamentar que escolheu representá-lo. Aí começam as mentiras, dizendo que votou de uma maneira que não me agrada, mas diz que votou de acordo como eu queria, porém, mais adiante, diz a outro de seus eleitores que pensa o contrário que também votou como esse queria, agravando a falta de ética na política brasileira. Por isso a necessidade de uma reforma que realmente represente os interesses populares e não essa maneira maquiada, representativa de uma pequena elite.

E a participação do povo nesse cenário político e econômico mundial?
Hoje está havendo duas coisas muito promissoras. A primeira é a crise do capitalismo que mostra que nada é eterno. É a ruína do sistema de apropriação e destruição da natureza. E não tem saída, porque se continuar, todos vamos para a barbárie. A segunda é esse movimento "Ocupem Wall Street" trazendo um alento novo. As pessoas em mobilização. São sinais de um caminho mais progressista, positivo. A grande sabedoria é como preservar a autonomia de cada um desses movimentos e ao mesmo tempo estabelecer entre eles uma relação de complementaridade. É essa a sabedoria. E no Brasil tem-se conseguido fazer isso com certa arte. Apesar de alguns momentos de tensões, as pastorais estão presentes. Não foram cooptadas por este ou aquele movimento ou partido. O que não podemos é deixar de pensar em um projeto político a longo prazo sem uma ferramenta partidária. Isso é essencial para que essas participações, movimentos e encontros como esses tenham êxito.

* Cecília de Paiva é jornalista e mestre em Comunicação.

Fonte: Revista Missões

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