José Antonio Pagola *
Os discípulos ouviram Jesus dizer coisas incríveis sobre o amor aos inimigos, a oração ao Pai pelos que nos perseguem, o perdão a quem nos faz mal. Seguramente parece-lhes uma mensagem extraordinária mas pouco realista e muito problemática.
Pedro aproxima-se agora de Jesus com uma proposta mais prática e concreta que lhes permita, ao menos, resolver os problemas que surgem entre eles: receios, invejas, confrontações, conflitos e disputas. Como têm de atuar naquela família de seguidores que seguem os Seus passos. Em concreto: «Se o meu irmão me ofende, quantas vezes lhe tenho de perdoar?».
Antes que Jesus lhe responda, o impetuoso Pedro adianta-se a fazer-Lhe a sua própria sugestão: «Até sete vezes?». A sua proposta é de uma generosidade muito superior ao clima justiceiro que se respira na sociedade judia. Vai mais além inclusive do que se pratica entre os rabinos e os grupos essénios que falam como máximo de perdoar até quatro vezes.
No entanto Pedro continua a mover-se no plano da casuística judia onde se prescreve o perdão como arranjo amistoso e regulamentado para garantir o funcionamento ordenado da convivência entre quem pertence ao mesmo grupo.
A resposta de Jesus exige colocar-se noutro registo. No perdão não há limites: «Não te digo até sete vezes mas até setenta vezes sete». Não tem sentido fazer contas ao número de perdões. O que se põe a contar quantas vezes perdoa ao irmão entra por um caminho absurdo que arruína o espírito que há-de reinar entre os seus seguidores.
Entre os judeus era conhecido um "Canto de vingança" de Lámek, um lendário herói do deserto, que dizia assim: "Cain será vingado sete vezes, mas Lámek será vingado setenta vezes sete". Perante esta cultura de vingança sem limites, Jesus canta o perdão sem limites entre os Seus seguidores.
Em muito poucos anos o mal-estar foi crescendo no interior da Igreja provocando conflitos e confrontações cada vez mais destruidores e dolorosos. A falta de respeito mútuo, os insultos e as calúnias são cada vez mais frequentes. Sem que nada os desautorize, setores que se dizem cristãos servem-se da internet para semear agressividade e ódio destruindo sem piedade o nome e a trajetória de outros crentes.
Necessitamos urgentemente de testemunhas de Jesus, que anunciem com palavra firme o Seu Evangelho e que contagiem com coração humilde a Sua paz. Crentes que vivam perdoando e curando esta obsessão doentia que penetrou na Sua Igreja.
* José Antonio Pagola, é teólogo e biblista espanhol (Tradução: Antonio Manuel Álvarez Pérez).
Fonte: www.adital.com.br