Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS *
Pergunta nada ociosa: será que outros países dispõem de um impostômetro, esse curioso instrumento para medir a cobrança dos impostos? Como se mede regularmente o consumo familiar, comercial ou industrial de água, de gás e de energia elétrica, por aqui também temos um "relógio" para medir o total de impostos pagos anualmente pelos cidadãos. Invenção bem brasileira, que denota a distância quilométrica entre a gigantesca arrecadação de tributos, por uma parte, e, por outra, a tímida utilização dessas verbas em benefício da população, especialmente dos setores menos favorecidos. Não será justamente essa distorção no uso correto dos tributos que explica a existência do impostômetro! Quem frequenta os arredores do Pátio do Colégio, centro histórico de São Paulo - SP, já se acostumou ao ritmo vertiginoso com que os algarismos giram no painel eletrônico do tal impostômetro. Os números se sucedem a tal velocidade que é impossível acompanhar a troca contínua das unidades, dezenas e centenas. O painel representa o grande rio dos impostos nacionais, para o qual convergem os milhões de igarapés de nossos tributos.
Não se trata apenas da clássica exploração do modo de produção capitalista, como a define a teoria marxista através do conceito de "mais valia". Também não se trata apenas da taxação sobre a produção agrícola e industrial, sobre o comércio e as finanças e sobre o trabalho nelas implicado. Além desses impostos vinculados ao conjunto do modelo neoliberal da economia, em geral descontados na fonte, somam-se os tributos sobre os serviços em geral e sobre o consumo direto. É assim que o cidadão é dupla ou triplicamente taxado: como empreendedor, como trabalhador e como consumidor, cliente ou usuário. Carga tributária nada desprezível, que chega à casa dos 40% na média de tudo o que se produz e vende, se compra e consome.
Nesse cenário, o governo (federal, estadual ou municipal) funciona como a correia de transmissão entre a população e as classes dominantes. Correia de transmissão não para buscar o bem comum e a defesa das camadas de baixa renda, mas para exercer a função de transferência de renda da base da pirâmide para os setores privilegiados de seu pico. Por mais que se multipliquem os programas de "distribuição de renda" (bolsa família, bolsa escola, minha casa minha gente, crédito à micro e pequena produção, etc.), os impostos sobre o consumo acabam por re-concentrar a renda e a riqueza nas camadas mais poderosas. Pois, enquanto estas utilizam malabarismos para driblar a receita federal e sabem dos furos da lei que permite recursos sobre recursos, além poderem arcar com os honorários de bons advogados, aos pobres resta pagar e ponto final. Carregam na alma e na pele o pesadelo da lei do mais forte: enquanto com os companheiros funciona o "jeitinho brasileiro", com os outros, vale o rigor da fiscalização. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei!
Ou seja, as autoridades oferecem com a mão direita e retomam com a mão esquerda. Se uma está aberta para os chamados programas sociais, a outra se fecha e endurece na cobrança de impostos cada vez mais elevados. Os números são claros: enquanto nos últimos 12 meses o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu a uma taxa aproximada de 4,5%, a soma dos tributos ultrapassou os 8,5%. No ano de 2010, por exemplo, o impostômetro registrou um total espantoso de R$ 1,2 trilhão. Não é fácil para o cidadão comum imaginar a quantidade de zeros implicada nessa fórmula. Mais que a quantidade de zeros, porém, o que lhe pesa sobre os ombros é o número de horas-trabalho ou o suor derramado só para o pagamento de tributos. E a velocidade do painel eletrônico só faz crescer dia a adia, mês a mês, ano a ano! Tanto que o aumento do superávit brasileiro, para o pagamento dos juros da dívida pública, fundamenta-se não numa redução programática dos gastos com a máquina governamental, e sim na progressividade da arrecadação perversa.
Mas o problema vai além e a população se pergunta com razão: onde está o retorno em serviços e políticas públicos de toda essa fortuna? Ela se concentra sobre o Planalto Central, mas raramente se redistribui em benefícios de educação, segurança, saúde, moradia, transporte, lazer, etc. Nesta perspectiva, valeria a pena confrontar os gastos públicos com o orçamento para os preparativos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, por um lado, e, por outro, os gastos na área social. Nada contra o esporte, o lazer, a alegria e o futebol, características tão fortes e marcantes na cultura brasileira. Desde que tudo isso viesse acompanhado de uma preocupação semelhante pelo estado de exclusão social de grande parte da população.
E vejam que nem estamos tocando nos grandes ralos da corrupção endêmica, do desvio de verbas, dos elevados salários dos altos representantes dos três poderes e do mau uso do erário público. Aí as coisas são bem mais vergonhosas e vexatórias. Basta acompanhar a avalanche de escândalos que praticamente todos os dias transpiram dos jornais, revistas e TV. As cifras roubadas ou desviadas, além de envolver os altos escalões dos órgãos públicos, andam sempre pela casa dos milhões e bilhões, Raramente devolvidos aos cofres da União. Graças a essa estranha fórmula de administração, o país é capaz de combinar dois extremos inimagináveis: impostos de Primeiro Mundo com serviços públicos de Terceiro Mundo. Alguém, alguns, ou as oligarquias de sempre se beneficiam com semelhante situação. Cabe ao governo a tarefa de intermediar a transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.
A lição a esse estado de coisas poderia vir da economia familiar: em casa de gente séria não se pode gastar mais do que se ganha! Tampouco comprometer o salário antes de recebê-lo.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.
Fonte: www.provinciasaopaulo.com