Dom Clemente Isnard: ??Te Pastores Sequens??

Carlos César dos Santos *

Acabo de ser surpreendido com a notícia de que Dom Clemente, bispo por quem tive o privilégio de ser ordenado, celebrou sua Páscoa definitiva.

É difícil traçar em poucas linhas o perfil de um homem da capacidade de Dom Clemente. Não porque tenha morrido, já que é de praxe em certos círculos viciados transformar demônios em santos depois de mortos, mas pelo que foi e fez em vida, assumindo para todos os que cruzaram seu caminho o rosto bondoso e misericordioso d'Aquele a quem escolheu no seu lema: ‘Seguindo-te como Pastor'.

Conheci Dom Clemente em 1977, quando a ditadura militar felizmente já apresentava os sinais de seu ocaso. Não obstante, encontrei em Nova Friburgo muitos remanescentes, inclusive presbíteros, que davam testemunho da ação empenhada e evangelicamente libertadora de Dom Clemente que os acompanhava e os visitava assiduamente na prisão, além do que, dispunha até mesmo de um porão na residência episcopal para esconder e proteger os perseguidos pelos militares.

Com a proximidade e o aprofundamento da amizade, comecei a acompanhar Dom Clemente nas suas viagens missionárias (visitas pastorais, crismas, paróquias, comunidades, instituições etc.). Impressionou-me, ao longo deste tempo, sua relação com o povo de Deus. Um bispo conhecido e reconhecido por todos. Fato interessante é que Dom Clemente não era um bom motorista e, quando chegava a algum povoado, as pessoas começavam a gritar seu nome e acenar para ele; ele, por sua vez, respondia ao aceno, mas se esquecia do volante e o carro se desviava da direção. Eu, a seu lado, rezava e pedia a intercessão de são Cristóvão para que chegássemos quanto antes ao destino. Isso para dizer que Dom Clemente foi um bispo que caminhou no meio do povo, partilhando de suas dores e tristezas como de suas alegrias e esperanças, conforme orientação do Concílio, do qual ele participou.

Outra característica marcante em Dom Clemente era sua disponibilidade absoluta para todos. As portas da casa sempre abertas. Na mesa de refeição, sempre pratos e talheres a mais para quem chegasse inesperadamente. Não tinha dia nem hora para receber e acolher quem quer que fosse. Sua secretária, voluntária, era encarregada de uma única função: organizar a correspondência. Só pedia a compreensão e o respeito de todos para a terça-feira, dia que ele se dedicava por inteiro ao atendimento dos pobres. Aí vinham desempregados, subempregados, dependentes químicos, carentes, mendigos etc. Para todos, Dom Clemente tinha tempo, uma palavra de conforto e esperança, em muitos casos o encaminhamento para a solução do problema, e também alguma ajuda material.

Para quem o conheceu e conviveu com ele sabe que, de olhar e temperamento terno e compassivo, manso e humilde de coração, imbuído, porém, de uma espiritualidade firme e eminentemente evangélica, Dom Clemente se destacou como grande servidor da parcela do povo de Deus a ele confiada, tendo encarnado para o mundo e a humanidade do seu tempo a imagem de Jesus, o Bom Pastor (cf. Jo 10,11), preconizada por Ezequiel: ‘Eu mesmo conduzirei as minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar... Procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca' (34,15.16).

Pela maneira, portanto, como viveu e ensinou a viver o amor, no seguimento incondicional do Bom Pastor, com certeza Dom Clemente ouviu hoje sua voz suave e generosa, convidando-o a tomar posse do Reino (cf. Mt 25,31ss) ao qual ele dedicou toda sua vida e ministério.

* Carlos César dos Santos, presbítero da arquidiocese de Juiz de Fora, MG.

Fonte: Carlos César dos Santos

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