Hilário Cristofolini *
Foi a notícia que muito circulou pela cidade de São Manuel e Aparecida. Muitos balançavam a cabeça e não acreditavam. Outros torciam para que fosse verdade. Uns comentavam: sempre acreditei que um dia ele iria voltar. Esse dia chegou: Dom Servílio Conti IMC estava na Itália para onde fora definitivamente, após mais de sessenta anos no Brasil. Quem leu sua biografia sabe por quantos lugares trabalhou pelo Sul e Norte e dá razão a seu biógrafo: como missionário, padre e bispo, viveu de sacola na mão.
Depois, em maio de 2010, pegou a sacola, as poucas roupas, calçou o velho sapato e partiu para sua pátria. Só vendo, pude acreditar que levou sua antiga máquina de escrever Olivetti!
Para surpresa de muitos, incredulidade de tantos e confusão mental de alguns, no início de julho de 2011, ei-lo de volta. Deixou lá o velho par de sapatos, calçou a leve pantufa, pegou umas roupas, a antiga olivetti, a indispensável bengala, seus 95 anos que escondem o valente marcapasso e no início da noite de 18 de julho, ei-lo aí, trazido pelo Superior Provincial padre Lírio Girardi, e concelebrando a missa no pequeno Santuário de Nossa Senhora Aparecida, do distrito de Aparecida de São Manuel. Felizmente a liturgia foi transmitida pelo site da Rádio Comunitária. Diga-se de passagem: é nessa hora que os pequenos meios de comunicação mostram ser grandes. Em imagem e som, mais gente pelo mundo, pôde ver Dom Servílio comovido e comovendo a todos, padres e fiéis que lotavam a igreja.
Só pude passar por lá, abraçar e reverenciar o amigo dois dias após, 20 de julho, exatamente no Dia Internacional do Amigo. Com Rosane, Genô, Cissa, pudemos testemunhar as emoções, alegria e honra daquele povo em ter de volta o amigo Bispo, que, desde a aposentadoria como bispo emérito, preferiu vir para cá e seguir trabalhando: como coroinha do Arcebispo de Botucatu e ajudante de pároco na cidade de São Manuel, depois capelão deste santuário e hoje coroinha deste magnifico padre Rogério, pároco de Aparecida de São Manuel, com quem mora.
Vi a casinha dos dois: inicialmente só tinha um quarto, sala, cozinha, banheiro e um cômodo que servia de escritório paroquial. Padre Rogério, este generoso padre de apenas 3 anos de missa, ao saber do desejo de Dom Servílio de vir morar com seu povo, apressou-se em levar para o escritório toda a sua mudança: depois mobiliou seu quarto com cama, criado-mudo, sofá, TV, telefone, armário e até com a mesinha para a velha olivetti, e o destinou a Dom Servílio. Ao entrar lá a dona Virley, enfermeira responsável para acompanhar o venerando bispo, exclamou: "Ficou tudo novo, parece cinco estrelas!" E ao ver o armário, disse ao padre Rogério: não precisava ser tão grande, pois o bispo nunca teve tanta roupa. O bom pároco respondeu com naturalidade: Se não tem, vamos comprar...
Rô e eu saímos de lá com a certeza de que o pároco iria dormir no sofá da sala, tamanha era a confusão em seu novo quarto. Na longa estrada para casa, vínhamos refletindo: se Deus gosta tanto de ver alguém dando um agasalho a um pobre, imaginemos o quanto gostou de ver Rogério dar seu quarto, dividir sua casinha com Seu bispo...
Fica a pergunta: quais foram os motivos que trouxeram Dom Servílio ao Brasil? Uns respondem: foi a saudade desta sua Pátria de adoção. Outros dizem que foi o apreço por São Manuel, a terra que o acolheu há mais de 60 anos. Outros estão certos que voltou à Aparecida porque sempre amou este povo, seus pobres, os doentes, as crianças. Tudo isto é verdadeiro, mas nós e alguns outros amigos, eis o que ouvimos Dom Servílio deixar escapar do coração: "Voltei ao Brasil porque sou mais barato vivo do que morto". Então, quem o conhece mais profundamente, sabe: voltou porque, à hora que o Pai vier buscá-lo para o céu, estes seus amigos que hoje o querem, o querem também morto e irão buscar seu cadáver em qualquer lugar que estiver, custe o que custar. Por isso, hoje brincam com o Pai, dizendo: Na hora de chamá-lo é bom, Senhor Jesus, repetir o chamado, pois ele estará atendendo nossos doentes.
Fica um aviso para quem o quer conhecer mais de perto: se você o convidar em sua casa, não insista para que passe a noite aí. Responderá o que faz parte de seu florilégio: "Cada rato na sua toca". Para todo efeito, eis o endereço de sua toca provisória, antes do chamado do Pai: Casa Paroquial - Aparecida - São Manuel - 18650-000 - SP.
* Hilário Cristofolini é jornalista e escritor. E-mail: hilarioc@ifi.com.br
Fonte: Revista Missões