Alfredo J. Gonçalves , CS*
Dia 20 de junho celebra-se o Dia Mundial dos Refugiados.
No vasto campo da mobilidade humana, eles figuram como protagonistas de uma verdadeira tragédia. Enquanto para os demais migrantes sempre permanece a possibilidade de retorno à terra natal, o refugiado é uma pessoa em constante fuga. Raramente pode voltar atrás. Motivações de ordem política, ideológica, climática, religiosa ou de outra natureza o impede de rever o próprio país e até a própria família. Adquire a triste condição de exilado.
Impressionam três aspectos da situação dos refugiados: primeiramente, o seu número, sempre contado às dezenas de milhões; depois, a mudança geográfica do foco de origem, região ou país que expulsa os próprios cidadãos; enfim, a precariedade dos acampamentos onde não poucas vezes precisam viver por meses ou anos. Nesses acampamentos, a superpopulação, a falta de higiene, a separação dos membros da família, a saudade e a incerteza do futuro criam um claro atentado à dignidade humana. É verdade que muitos recebem ajuda humanitária do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mas essa nem sempre chega a tempo e é suficiente.
Políticos e ideológicos
Os refugiados, em princípio, podem ser originários de qualquer país. Basta que se tornem indesejados para as classes dominantes. Alguns exemplos podem ilustrar isso. Nas décadas de 60-70 do século passado, os países latino-americanos do Cone Sul - Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai - sofreram a violência dos regimes de exceção. As ditaduras militares perseguiram, ficharam, mataram e expulsaram milhares de pessoas. Outras se viram forçadas a fugir para um país vizinho ou para outro continente. Entre elas, destacavam-se políticos de oposição, professores universitários, cientistas, estudiosos e militantes de esquerda. Em alguns países não faltaram os agentes de pastoral.
Como pano de fundo da ação combinada dos militares, a Guerra Fria alimentava a animosidade das autoridades frente a qualquer tipo de protesto. Inúmeras reivindicações sociais ou trabalhistas acabavam sendo batizadas de comunistas e logo brutalmente desmanteladas. No Brasil, são bem conhecidos os casos do jornalista Vladimir Herzog, do religioso frei Tito de Alencar, do cantor Geraldo Vandré ou da Guerrilha do Araguaia. No horizonte mais amplo da América Latina, convém não esquecer a figura emblemática de Che Guevara.
Diversos países do Caribe e das Antilhas sofreram idêntica opressão. Citemos de início a trágica sorte do arcebispo de San Salvador, dom Oscar Romero, em luta aberta contra o regime militar de El Salvador, assassinado em 24 de março de 1980, durante a celebração da Eucaristia. Igualmente conhecida é a luta sandinista na Nicarágua, pela derrubada do ditador Anastácio Somoza, no ano de 1979. 20 anos antes, Cuba consolidara sua revolução e, em 1989, uma operação militar dos Estados Unidos invadiu a República do Panamá, com o objetivo de capturar o general e ditador Manuel A. Noriega, sob a acusação de tráfico de drogas. Já o caso do Haiti é mais complexo. Vários abalos políticos antecederam o abalo sísmico que dizimou sua população em janeiro de 2010. Em 29 de fevereiro de 2004, por exemplo, o presidente eleito Jean-Bertrand Aristides foi expulso do país por tropas franco-estadunidenses.
Não é difícil assinalar outros focos de refugiados: Oriente Médio, notadamente para os palestinos, ainda sem estado próprio; Afeganistão e Iraque, desde a intromissão dos Estados Unidos com soldados e armas; a África subsaariana, especialmente os países Zimbábue, Congo, Somália, Angola, Moçambique, só para citar alguns; atualmente, alguns países de maioria árabe entraram em ebulição, gerando refugiados aos milhões: Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Iêmen, entre outros. Em todos esses casos, não poucos cidadãos tiveram de deixar o próprio país, à força ou pressionados pelo medo, a ameaça ou a perseguição aberta. Findos os regimes de exceção ou as turbulências, boa parte dos refugiados tem a oportunidade de regressar, mas a ferida aberta na vida e na carreira é difícil de cicatrizar.
Refugiados climáticos
Nas últimas décadas, cientistas, movimentos sociais, ambientalistas e estudiosos da ecologia não se cansam de alertar para os riscos que sofrem nosso planeta. Multiplicam-se os sintomas: poluição do ar e das águas, derrubada das florestas, devastação e desertificação de amplas áreas, emissão de gases de efeito estufa, aquecimento global, derretimento das geleiras nos polos, desequilíbrio do ecossistema e muitas outras formas de destruição. O modelo socioeconômico e político-cultural do sistema capitalista é movido, de um lado, pela maximização dos lucros e da acumulação do capital e, de outro, por um ritmo cada vez mais acelerado, dada a potencialidade da ciência e da tecnologia.
A terra, agredida em seu equilíbrio, não suporta tamanha velocidade. À agressão por parte da exploração econômica dos recursos naturais, ela reage com igual violência. E também aqui não faltam as consequências: chuvas e estiagens exageradas, aumento dos furacões e tornados, nevascas e tempestades cada vez mais intensas, inundações - tudo isso em proporção direta com a ação humana sobre o planeta. O resultado dessa relação entre ser humano e natureza é a fuga em massa de povoados e cidades inteiras, os chamados refugiados ambientais ou climáticos, que, também já chegam a dezenas de milhões. Só quando o homem tomar consciência da importância de sua ação com relação ao planeta é que poderemos celebrar um novo desenvolvimento e até uma nova civilização: justa, solidária, fraterna e sustentável.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais. Publicado na revista Missões, N. 05 Jun. 2011.
Fonte: Revista Missões