Jirau e os acordos espúrios

Telma Monteiro *

Acordos espúrios têm sido uma constante para viabilizar grandes empreendimentos do PAC na Amazônia, como as usinas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e Belo Monte, no rio Xingu. As conseqüências estão se avolumando. Invasões e saque por parte de madeireiros, pecuaristas e desmatadores em unidades de conservação e terras indígenas. E agora, a revolta justificada dos operários das obras de Jirau.

O consórcio ESBR, responsável pelas obras de Jirau, tem sido protagonista de muitos casos de irregularidades desde que venceu a licitação em 2009. Um dos casos mais emblemáticos foi aquele que envolveu a mudança do projeto original sem os necessários estudos ambientais para a nova localização. Essa alteração de projeto iria afetar diretamente parte da Reserva Estadual do Rio Vermelho, não fosse um acordo imoral entre o ICMBIO, o Ministério do Meio Ambiente e o governo de Rondônia.

Para o presidente do ICMBIO e o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a alteração da localização de Jirau foi legal.  Porém, na época, o governador de Rondônia, Ivo Cassol, hoje senador, disse que não autorizaria as obras no novo local. Elas incidiriam na unidade de conservação estadual.

Numa clara chantagem, Cassol deu a entender que só daria a licença estadual se o governo federal garantisse a permanência de grileiros, madeireiros e invasores na Floresta Nacional (Flona) Bom Futuro. A Flona era palco de muitos conflitos e a justiça já havia pedido sua desintrusão. Como o reservatório de Jirau inundaria parte da Reserva Estadual Rio Vermelho e era preciso uma licença estadual, o governador queria fazer a troca indecente: legalização da Flona Bom Futuro pela licença de Jirau.

Sob denúncias de irregularidades, dentro do famoso "toma lá dá cá", o acordo do governo de Rondônia com o governo federal saiu do papel somente um ano depois, com a publicação da Lei Federal nº 12.249 de 11/07/2010 que efetivou as alterações. Essa lei era, originalmente, a MP 472 que contava com mais de cem artigos e perdida no meio deles constava a mudança dos limites de três unidades de conservação de Rondônia. Assim o projeto de Jirau que teria sido descartado na nova localização acabou sendo legalizado por caminhos tortuosos.

O presidente Lula sancionou essa lei em junho de 2010. A lei sancionada na calada da noite legitimou, então, a ocupação irregular da Flona Bom Futuro e foi complementada pela Lei Estadual nº 581 de 30/06/2010 que revogou as Unidades de Conservação estaduais e criou duas novas UCs na área desafetada da Floresta Bom Futuro. Tudo para contornar as ilegalidades no processo de licenciamento de Jirau, inclusive apontadas pela equipe técnica do Ibama.

O acordo indecente ainda está sub judice. Ele é objeto de Ação Civil Pública (ACP), ajuizada pelo Ministério Público em 2009, que questiona a legitimidade da permanência dos ocupantes invasores na Flona Bom Futuro e a redução da Reserva Estadual do Rio Vermelho pelo reservatório da usina, no novo local.

Jirau continua alvo de irregularidades. Agora estão surgindo os outros impactos sociais e ambientais não analisados nos estudos das usinas do Madeira. Mais de 10 mil operários, vítimas dos conflitos em Jirau, perderam seus empregos, estão de volta aos seus locais de origem ou em busca de abrigo e comida nas ruas de Porto Velho, que já vem sofrendo com a falta de infra-estrutura.

Eis mais um exemplo daquilo que poderá ocorrer no futuro, em Belo Monte, caso a usina saia do papel.

* Telma Monteiro é ativista socioambiental e pesquisadora na área de energia e infra-estrutura na Amazônia.

 

Fonte: www.correiocidadania.com.br

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