A história se repete

José Cajuaz Filho *

Em 2007, li em um dos jornais de Fortaleza, um fato ocorrido no distrito de Messejana que chocou não só a mim como também a sociedade fortalezense, a cearense, a brasileira e a internacional.

Um catador de lixo, tão necessário à saúde pública, pois realiza um trabalho que é da alçada do poder público, faleceu à míngua, pois procurou auxilio médico e não o encontrou. Fato grave, mas corriqueiro, porque a saúde pública brasileira está na UTI há muito tempo.

Mais grave ainda: não apareceu ninguém do poder público para orientar a família do morto como proceder nesse momento tão difícil. Então o pai do rapaz, como não dispunha de condições para levá-lo num carro mortuário, o conduziu à morada eterna, no seu instrumento de trabalho: o carrinho de catar lixo.

Em 2011, o Diário do Nordeste publicou (23/03/2011) uma notícia tão chocante quanto aquela: "Homem morre sem assistência médica" no Papicu, reduto de barões. Parece ,de novo, um fato corriqueiro, pois não causou impacto na sociedade.

Ele morreu, ontem à noite, quando, em um carrinho de mão, era socorrido (para levá-lo ao hospital) por um seu conhecido. Era o bom samaritano do século XXI. O jornal continua: "Eles relataram que, desde as 17 horas ,acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que não atendeu à ocorrência".Por isso levaram-no no carrinho de mão. Não há recurso para esse atendimento, mas para o carnaval os milhões não faltam.Que inversão de valores! Perde-se uma vida quando se poderia salvá-la,mas a orgia impera.

A história se repete com requintes de crueldade,desumanidade e irresponsabilidde. Em 2007, um cidadão (era um cidadão mesmo) foi levado ao Campo Santo no seu instrumento de trabalho: um carrinho de mão. Em 2011, outro cidadão (era cidadão mesmo) viveu o mesmo drama. Como lá, surgiu um Cirineu, também do Século XXI, residente na favela do Pau Fininho. Sem condições de acelerar o atendimento não-dado pelo SAMU, decidiu, num gesto de solidariedade e humanidade, tão raro hoje em dia, tentar levar seu colega para socorro médico, no seu instrumento de trabalho: o seu carrinho de mão. Era tudo que ele podia fazer e o fez.

Ele não tinha condições. Nem por isso cruzou os braços. Que gesto nobre. Ele valoriza os direitos humanos com atos e não com palavras. Fez o que estava a seu alcance.

Isso me fez recordar o que Fedro, o grande fabulista latino, quinhentos anos antes de Cristo, já sentia quando escreveu a fábula OMe Burro e os Galos.

Ei-la para mostrar como a sociedade parece que ainda não evoluiu no plano solidário e fraterno.

"Quem nasceu infeliz, não somente leva a vida triste, mas, até depois de morto, a marca da sorte desgraçada continua perseguindo-o".

Os Galos de Cibele costumavam levar para as coletas, um burro que transportava os alforjes. Tendo este morrido de fadiga e maus tratos, resolveram tirar-lhe a pele e com ela fazer um tambor.

Como alguém perguntasse que haviam feito do pobre animal, foi-lhe dada esta resposta: "Ele julgava estar seguro depois da morte, mas novos e repetidos golpes lhe caem sobre a pele."

É triste o que se viu com aquele e com este homem. O fabulista utilizou-se dos animais, pois o momento político daquela época não lhe permitia, quando criticava os poderosos e determinadas situações, falar claramente das pessoas.

Aqui em Fortaleza não se ouviu falar, viu-se a realização da fábula de Fedro.Mesmo depois de morto,continuaram seus sofrimentos aqui na terra.

Nossa civilização só nos oferece bens de consumo, não valores espirituais,morais solidários e éticos. Convida-nos ao oportunismo, à ganância ,à sede do poder e do dionheiros, ao mais fácil, ao mais seguro, ao mais cômodo e ao egoísmo.

Todos falam do valor da colaboração, do serviço, do altruísmo e o que encontramos é orgulho, vaidade, egocentrismo e desinteresse pelos outros.

Este fato mostra-nos a face nua e crua da sociedade moderna.
É com tristeza que se constata a realidade dos fatos: A história se repete.

* Professor José Cajuaz Filho, Fortaleza, CE.

Fonte: José Cajuaz Filho

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