??A angústia do povo é bem maior que a pretensa angústia do governo??

Cleymenne Cerqueira *

Afirmação apresenta preocupação com o atual modelo de desenvovimento do país.

Discutir mudanças climáticas, suas causas e efeitos, requer obrigatoriamente, discutir a política de geração de energia adotada pelo governo brasileiro. No 2º Simpósio Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Social, realizado entre 14 e 16 de março, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), a questão foi pauta constante e incisiva em todos os debates.

A solução para o pretenso problema de geração de energia e sob a alegação da garantia do direito de todos os cidadãos de terem acesso a bens e serviços, como a luz elétrica, o governo vem dando continuidade a expansão dos grandes projetos hidrelétricos e mesmo a multiplicação das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em todo o país. Decisão esta, que ameaça o que resta de rios e sua relação com os biomas, pois interferem no seu equilíbrio em troca de relativamente baixa produtividade em termos de energia elétrica.

Durante o ato público, que encerrou o Simpósio, ontem (16) em Brasília, os representantes do Estado, Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, e Eduardo Delgado Assad, que assumiu na terça-feira a Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, reafirmaram a posição do governo brasileiro em relação a essa opção descabida pela geração de energia por meio de hidroelétricas.

Em sua fala, Carvalho, pretensamente, declarou que Belo Monte será construída, esquecendo com isso a luta incessante dos povos do Xingu, ONGs, movimentos sociais e organismos religiosos e internacionais que agem contrariamente à obra. "Belo Monte vai ser construída. Agora é preciso cobrar o cumprimento das condicionantes e procurar meios de realocar de forma digna as populações que serão atingidas", afirmou.

Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de movimentos sociais e ambientais foram enfáticos ao rebater as afirmações de Carvalho e declarar que a angústia dos povos indígenas e outras populações tradicionais é bem maior que a angústia do governo em sua busca desmedida pelo desenvolvimento econômico. Eles salientaram a todo momento, o que diversos especialistas já comprovaram: Belo Monte não servirá ao povo, mas às multinacionais, os custos sociais, econômicos e ambientais provenientes da obra serão incalculáveis.

Por sua vez Carvalho alegou que Belo Monte não servirá para dar dinheiro às grandes empreiteiras, porque segundo ele, seria bem mais fácil sair construindo estradas por aí. "O governo tem plena convicção da necessidade de se construir Belo Monte. É preciso gerar energia e o Brasil não tem como abrir mão das hidrelétricas", disse. Vale lembrar que construir estradas, especialmente quando estas cortam territórios indígenas e de outros povos tradicionais, também geram danos irreversíveis a essas populações e o aumento do fluxo de pessoas na região.

Como pode ser limpa a energia gerada por uma obra que é grande fonte de poluição, que destrói a vida animal e vegetal do local, que expulsa diversas famílias de suas terras tradicionais, acabando, muitas vezes, como seus meios de geração de renda e subsistência? Empreendimentos como esse jamais gerarão energia limpa provocando o degredo, o fim das relações de compadrio, das amizades e desestruturando uma comunidade. No processo de geração de energia e no apregoado necessário desenvolvimento do país, não pode ser possível pensar o meio ambiente totalmente dissociado do ser humano.

Fora todos os impactos socioambientais e econômicos que poderão ser causados com a construção de Belo Monte, diversas críticas em relação à postura do governo em decidir de cima para baixo as coisas também levam às posições contrárias à obra. Não é verdade que o governo brasileiro sempre esteve aberto ao dialogo e à negociação junto aos principais envolvidos na questão, as centenas de famílias ribeirinhas, camponesas e indígenas que serão atingidas pela hidrelétrica.

O ministro Gilberto Carvalho diz discordar desse fato, alegando que durante o governo Lula, dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Cimi foi recebido por duas vezes, pelo presidente. Ele alega ainda que Lula foi à Altamira ouvir as pessoas em 2010 e que em duas ocasiões membros do governo foram agredidos durante negociações e encontros sobre Belo Monte. Fazer encontros com 200 indígenas ou ouvir somente um lado da história não significa estar aberto ao diálogo. O que deveria ter sido realizado eram oitivas com as populações que serão direta ou indiretamente atingidas, bem como compreender que o país conta com outras matrizes energéticas para gerar energia.

O exemplo de Jirau
Exemplos dos problemas causados pela construção de usinas hidrelétricas no país se somam todos os dias. Nos últimos dias, mais uma vez, o noticiário informa que graves crises e conflitos estão acontecendo em regiões onde obras desse tipo já estão em andamento. A população de Porto Velho, Rondônia, estado ao norte do país, sabe exatamente o que é isso.

Desde 2008, quando houve o leilão de concessão para construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, a população da região aumentou consideravelmente com a vinda de pessoas, e famílias inteiras muitas vezes, para trabalhar na obra; o índice de violência e criminalidade também cresceu; os serviços de saúde, saneamento básico e educação, que já eram deficitários, não suportam a demanda; o trânsito é caótico e o custo de vida é muito alto.

Por isso, e por diversos outros exemplos de problemas socioeconômicos e ambientais provenientes dessas obras, indígenas, ribeirinhos, camponeses, pescadores e demais moradores da área urbana de Altamira, se colocam veementemente contra Belo Monte. Estima-se que com a construção da usina, a população altamirense, que hoje chega a pouco mais de 105 mil habitantes, cresça mais de 100%, o que prejudicará ainda mais o atendimento em saúde, segurança e educação na região.

Ontem, 16, as pessoas ficaram impressionadas ao ver na mídia notícias sobre a reação dos mais de 15 mil operários da obra da usina de Jirau, que insatisfeitos com o tratamento que lhes é dispensado pelas empreiteiras da obra, explorando-os constantemente e ignorando sua força de trabalho por meio da superexploração, resolveram agir contra o consórcio financiador da obra.

Porém, o que não foi dito é que a reação não vem ao acaso. Em péssimas condições de trabalho, os operários recebem salários extremamente baixos, enfrentando epidemias de doenças dentro da usina, sem atendimento adequado de saúde, com longas jornadas de trabalho, transporte de péssima qualidade e falta de segurança. Cerca de 4,5 mil deles estão ameaçados de demissão.

A situação enfrentada pelos operários de Jirau estão estreitamente relacionadas com todos esses desmandos das responsáveis pela construção da usina, o consórcio formado pela transnacional francesa Suez, pela Camargo Côrrea e pela Eletrosul. Essa não é e não será a primeira vez que situações como está acontecem. Diversas denúncias sobre estas situações já foram encaminhadas ao governo federal, ao Ministério Público Federal, aos órgãos e entidades competentes, inclusive internacionais. No entanto, o governo brasileiro insiste em manter o autoritarismo e a ganância em conseguir desenvolvimento econômico a qualquer preço.

Tendo por base esse e diversos outros exemplos semelhantes de descaso, desrespeito e violação de direitos humanos, vale perguntar se é esse o tipo de desenvolvimento que o povo brasileiro quer. Um desenvolvimento que leva em conta a apropriação dos bens naturais, a agressão e extinção de diversas espécies animal e vegetal, que vangloria as multinacionais e esquece as comunidades e populações tradicionais.

Preocupados em responder essas perguntas, em levar ao debate público essas e outras questões relacionadas aos impactos ambientais gerados pelas grandes obras do governo federal e em mobilizar a população contra esses desmandos, pesquisadores, especialistas, ONGs, movimentos ambientalistas e sociais apresentam diariamente propostas de desenvolvimento humano, social, econômico e ambiental sustentáveis.

Propostas para geração de energia
Durante o encerramento do Simpósio, os participantes do encontro apresentaram algumas alternativas de políticas públicas relacionadas às mudanças climáticas para a atuação do governo. Entre elas, propostas de geração de energia por meio de fontes naturais renováveis, como o vento, as marés e o sol. Propuseram também que se faça uma total revisão nas centrais hidrelétricas já em funcionamento do país. "Propomos que haja uma mudança na prioridade política em favor das fontes hidroelétrica e térmica para a produção de energia elétrica, substituindo-a pelo sol e ventos, abundantemente disponíveis em nosso país".

Diante de tal situação, os estudiosos presentes propuseram coisas ainda mais concretas, como o estimulo ao financiamento de instalação de módulos de células voltaicas nas casas das famílias do bioma Caatinga semi-árida, assumindo o compromisso e viabilizando que a energia produzida seja jogada na rede interligada de energia elétrica. De acordo com o proposto, assim será possível uma porta de saída do Bolsa Família e de outros benefícios do governo federal, pois por meio da instalação de contadores será possível identificar o que será produzido e o que será consumido pelas famílias, podendo assim, ser a diferença utilizada como renda para a família produtora.

"Esta prática já existe e está consolidada em países europeus, que conta com um terço da luz solar direta da Caatinga, e assim mesmo chega a gerar 1000 euros por mês para famílias camponesas; em nosso caso, esta renda significará uma porta de saída do Bolsa Família para muitas famílias", argumentaram. Para completar esta proposta, o governo pode ainda reconhecer e estimular a tecnologia de produção de células fotovoltaicas desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Física da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC), que já passou por testes pré-industriais e tem sua produtividade comprovada.

A partir da consolidação do Projeto Caatinga de Produção de Energia Solar, o Programa pode ser estendido a outras regiões ricas em sol, como o Cerrado e Amazônia, podendo chegar com sucesso também ao Pantanal, à Mata Atlântica, Pampa e Zona Costeira, tornando o sol a principal fonte de geração de energia elétrica, sempre de forma descentralizada, com participação das famílias e comunidades.

Por outro lado, com igual orientação política descentralizadora, promovendo a participação das comunidades nas decisões referentes à construção, produção e uso, também poderia ser implementado um Programa de Energia Eólica em âmbito nacional, dando preferência às áreas ricas em ventos e empobrecidas socialmente. O uso pode aumentar a autonomia das comunidades, fonte essencial de outras mudanças urgentes: produção e uso do necessário o mais próximo possível, diminuição do uso de meios de transporte, diminuição do gosto de energia.

* Cleymenne Cerqueira, Assessoria de Comunicação - Cimi

Fonte: www.cimi.org.br

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