Alfredo J. Gonçalves , CS*
Uma das maiores lições de todo forasteiro é que, no curto período de nossa existência, somos todos hóspedes do Planeta Terra/Água. Homens e mulheres, e todos os seres vivos que se move na face da terra, permanecem sobre ela numa situação de provisoriedade. Outras gerações nos precederam e novas gerações virão depois de nós. Nessa imensa nave circular, seguimos na condição de passageiros. E nossa passagem é transitória, dura apenas algumas décadas, enquanto o planeta acumula milhões de séculos em sua história.
Apesar disso, boa parte dos terráqueos tendem a utilizar os recursos naturais de forma abusiva e muitas vezes irresponsável. O modelo sociopolítico e econômico implantado especialmente a partir da Revolução Industrial e do uso da tecnologia de ponta, com destaque para os países ocidentais, acaba levando adiante um desenvolvimento insustentável, impelido pela ânsia de lucro e centrado na acumulação de capital. A lei férrea do mercado é produzir, vender, consumir, numa espiral crescente que, com a globalização, chega a todos os cantos do planeta. Com essa meta de crescimento a qualquer custo, os meios se impõem por si só, numa tríplice exploração: extorquir até a última possibilidade os bens de que dispõe a terra, sugar até a última gota de suor a força humana de trabalho e saquear o patrimônio cultural da humanidade, longa e laboriosamente conquistado por centenas de gerações.
Há décadas uma nova safra de cientistas, em companhia de inúmeros movimentos sociais, entidades e organizações não governamentais, com destaque para os ambientalistas, veem alertando para a alternativa de que ou salvamos o planeta ou perecemos junto com ele. Prova disso são a emergência e a popularização recentes do prefixo grego bio (=vida) em sua dupla dimensão: por um lado denunciando a agressão humana ao meio ambiente, por outro anunciando a consciência crescente com sua preservação.
O certo é que crescem a cada ano os sintomas da ação humana sobre o Planeta Terra/Água: devastação das florestas e progressiva desertificação do solo; poluição do ar e das águas; extinção de várias espécies de fauna e flora; emissão de gases de efeito estufa, gerando o aquecimento global; elevação do nível das águas dos oceanos; uso indiscriminado de combustíveis fósseis... Daí o crescimento simultâneo de catástrofes que ocorrem de forma cada vez mais freqüente e aleatória: furacões, tornados, tufões, nevascas, estiagens, inundações, e assim por diante.
Entre as instituições alertas a essa agressão do ser humano à mãe Terra/Água, destaca-se a Campanha da Fraternidade da CNBB (CF). Pelo menos em três de suas edições, o tema tem vindo á tona (1979, 2004 e 2001), sempre com a dupla preocupação de aprofundar as causas de modelos econômicos predadores, por um lado, e de buscar soluções para alternativas sustentáveis, por outro. Nesta última CF, de 2011, que tem como tema Fraternidade e a Vida no Planeta, o lema remonta à Carta de São Paulo aos Romanos para insistir que "A criação geme em dores de parto" (Rm 8,22), na esperança de mudanças profundas e urgentes no relacionamento das pessoas entre si e delas com a natureza.
Não dá mais para defender o crescimento a qualquer preço como panacéia para todos os males sociais. Tampouco podemos ter como meta o padrão de vida do Primeiro Mundo, que tem privilegiado as classes ricas do planeta, em detrimento da natureza e da grande maioria da população. Semelhante padrão de consumo põe em risco o ritmo da natureza, além de concentrar a riqueza e o luxo de um lado, e pobreza, miséria e fome do outro. Basta de concentração e exclusão social! Cenários faustosos e ostensivos como o de Las Vegas, Miami, Dubai, Abu Dhai, Qatar, Emirados Árabes, Alphaville e condomínios fechados, entre tantos outros, constituem o retrato vivo dos escândalos modernos ou pós-modernos. Se os colocamos lado a lado com o panorama das favelas e periferias de Ciudad de México, Calcutá, Xangai, São Paulo, Lima, Nairobi, Joannesburgo, e assim por diante, o escândalo torna-se ainda mais gritante.
O desafio hoje é encontrar caminhos para uma nova civilização, onde se leve em conta a primazia do cuidado, da convivência e da defesa de todas as formas de vida, levando em conta a justiça e o direito, a solidariedade e a sustentabilidade do Planeta Terra/Água. Cuidado significa cultivo, preservação, atitude de "bem viver e bem conviver" com as pessoas e as coisas, a biodiversidade e a o universo como um todo. Significa, ainda, a recriação de novos laços, que levem à costura de relações sadias com a natureza humana, vegetal, animal e inorgânica. O primado da exploração e da dissecação em busca do lucro e da acumulação capitalista dá ao primado de uma coexistência pacífica com tudo o que Deus colocou à disposição da vida.
Se a passagem da Idade Média para o mundo moderno representou a transição do teocentrismo para o antropocentrismo (marcadamente machista e patriarcal), hoje talvez estejamos assistindo à emergência de uma espécie de geocentrismo, onde a mãe Terra/Água volta a ser o centro gerador e propulsor da vida em sua diversidade. A palavra de ordem é redescobrir o direito do Planeta, que é ser a mãe de todos os seres vivos.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.
Fonte: www.provinciasaopaulo.com