Maria Regina Canhos Vicentin *
Na cidade onde moro várias foram as discussões em torno da abertura do comércio no sábado, dia da consciência negra. Alguns achavam que as lojas deveriam abrir, outros eram contrários. Não é preciso ser vidente para adivinhar o que aconteceu e quem ganhou essa disputa. O capital, lógico, como sempre. As pessoas parecem pouco importantes frente à necessidade de gerar lucros e fazer o dinheiro circular. As comemorações que esperem, as reflexões que deixem de existir. Afinal, pra que mesmo se instituiu esse dia? Creio que foi para enfatizar a necessidade do respeito para com as pessoas independente de sua raça, além de servir para conscientizar sobre a importância dos negros e de sua cultura na formação do povo brasileiro.
Vários negros se sentem constantemente diminuídos dependendo do ambiente que frequentam e das pessoas com as quais se relacionam. Penso que não deve ser nada fácil conviver com essa sensação de desprezo. Para muitos talvez não seja tão fácil entender como alguns se sentem diante da discriminação porque simplesmente nunca foram discriminados. O preconceito racial faz supor que existe uma raça dominante enquanto a outra é inferior. Isso acontece muito também entre as classes sociais. Há quem se julgue superior por contar com maior poder aquisitivo, enquanto outros se sentem inferiorizados em função de seus parcos recursos econômicos.
Outro dia, participei de um evento para poucos. Bem, julgava que seria para poucos, mas na realidade havia muitas pessoas no local. Políticos, médicos, autoridades e alguns reles mortais, como eu. Lugar bonito; aconchegante, mas não estava me sentindo bem. Talvez, não houvesse calor humano. Pouca receptividade por parte dos participantes. Esbarrei em algumas pessoas que havia atendido no passado, em decorrência do meu trabalho como funcionária pública. Posso estar enganada, contudo, tive a nítida sensação de que preferiam fingir que não me conheciam. Não houve como, dada a proximidade. Surgiu um sorriso amarelo e um cumprimento frio. Estavam diante de amigos endinheirados e importantes; não cairia bem manifestar contentamento ao encontrar uma funcionária de baixo escalão que havia lhes prestado um serviço. Naquele momento, fui jogada na senzala sem piedade!
Ser discriminado é ser desrespeitado. Não importa se você é branco, negro, amarelo. Sua raça, aparência ou condição social não podem ser mais importantes que sua dignidade de pessoa humana. Cada indivíduo é único, portador de uma identidade própria e características singulares. Isso, por si só, já valoriza cada um de nós. Nossas particularidades intrigantes nos conferem diferenciais atrativos. Precisamos ser acolhidos e compreendidos nas nossas diferentes formas de expressão. Quem decide o que é o melhor? Pautado em que critério decide? Pois se o Pai consentiu em nossa miscigenação, certamente supomos que Ele aprecia um mundo colorido e multifacetado. A natureza é colorida. O arco sinal da aliança é colorido. E não me venham dizer que o mundo seria melhor se não houvesse cores. Que este dia da consciência negra sirva para a reflexão acerca da dignidade humana em suas várias nuances.
* Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora. Acesse e divulgue o site da autora: www.mariaregina.com.br.
Fonte: www.mariaregina.com.br