Joaquín Roy *
A recente cúpula europeia foi o marco lamentável de uma estranha confrontação do processo de integração continental, que venceu dezenas de obstáculos para chegar a um notável nível de integração. O presidente da Comissão Europeia, o ex-primeiro-ministro de Portugal, José Manuel Barroso, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, se envolveram em uma dura discussão. A causa foi a expulsão de cidadãos romenos (ciganos) do território francês.
A comissária Viviane Reding, de Luxemburgo, encarregada da pasta da Justiça, comparou a decisão de Sarkozy às deportações nazistas da II Guerra Mundial. Sarkozy respondeu dizendo que ela poderia receber todos os expulsos em sua Luxemburgo natal. Embora depois Reding tenha reconhecido o exagero de sua declaração, a questão que provocou este triângulo áspero não terminou.
A origem dessas perigosas discussões, alarmante porque levanta novas dúvidas sobre a efetividade da União Europeia (UE), foi a expulsão sumária de mais de oito mil ciganos e seu embarque em voos com destino ao seu país de origem. Como mostra das divisões que ameaçam gravemente a UE, alguns mandatários europeus apoiaram diplomaticamente Sarkozy, temendo que a imigração ilegal sem seus próprios países possa desencadear incidentes semelhantes. A chanceler alemã, Angela Merkel, por sua vez, se apressou em desmentir a alusão de Sarkozy, que alegava que ela tinha projetada uma operação similar na Alemanha, com todas as consequências levando em conta o trágico passado de seu país.
A opinião europeia fez eco à gravidade das consequências da aparente violação de direitos fundamentais, e também das ramificações judias da decisão. O fato não só convidava a uma condenação moral como também fazia em pedaços a própria legislação da UE, e também o ordenamento de uma Europa mais ampla, organizada dentro do Conselho da Europa (diferente do Conselho Europeu), cuja atribuição central é precisamente o terreno dos direitos humanos.
Assim, convém realizar uma leitura rigorosa do emaranhado legal em que se insere o incidente, tal como fez a catedrática da Universidade de Salamanca, Araceli Mangas, uma autoridade da complexidade da UE. Dessa forma, por exemplo, repara-se que a decisão de Sarkozy ataca simultaneamente duas legislações, das quais a França é signatária plena.
Em primeiro lugar, a medida tomada pelo presidente francês esbarra com algumas normas básicas da UE, que regulam a livre circulação e residência de todos os cidadãos do bloco, e os ciganos do caso são esmagadoramente romenos. E, acima da legislação da UE, o Convênio Europeu de Direitos Humanos (1950) declara textualmente a proibição de "expulsões coletivas de estrangeiros". Como letra pequena dessa obrigação, as regras da UE são cristalinas. Todos os cidadãos da UE (e suas famílias, sem distinção de nacionalidade) têm livre circulação qualquer que seja o motivo.
Além disso, todo cidadão da UE tem direito de escolher sua "residência permanente, em qualquer município, em qualquer Estado", benefício extensivo a suas famílias. Este direito não está totalmente apoiado por normas globais, mas está perfeitamente tipificado nos sucessivos tratados da UE, modificados periodicamente. Taxativamente é proibido qualquer tipo de discriminação por nacionalidade ou origem racial.
É certo que esses direitos não são ilimitados, e são diferentes dos desfrutados pelos nacionais, mas nunca ficam sujeitos a decisões caprichosas. A legislação comunitária, por exemplo, exige que os novos residentes devem provar que têm meios de subsistência, para não acabar vivendo da ajuda pública. Isso quer dizer que o Estado receptivo pode expulsar os que não possuem meios? Sim, mas o problema deve ser tratado individualmente, caso por caso, e nunca coletivamente. A causa somente pode ser atribuída a razões de ordem pública, segurança ou saúde pública.
Portanto, Sarkozy teria direito de decretar a expulsão, mas apenas dos indivíduos que estiveram implicados em alguns incidentes nos quais morreu um cidadão romeno. As acusações deveriam ser apresentadas por indivíduo concretamente e apenas uma sentença judicial aprovaria a expulsão. Nenhum desses passos foi cumprido pelas autoridades francesas. Para mais dúvida sobre a medida, convém recordar que esse tipo de expulsão não pode ser por toda a vida. A cada três anos, os afetados podem solicitar a revisão da aparente "violação grave" de direitos humanos e o direito da UE. Se os tribunais decidirem a seu favor, os expulsos podem solicitar sua reintegração e receber uma indenização.
No momento, à espera do processo aberto pela Comissão Europeia, o governo francês não se retratou. Dependendo do que fizerem as instituições da UE, o dano também afetará o próprio bloco, de modo algum necessitado de mostras negativas de justiça. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami.
Fonte: www.envolverde.com.br