Egon Heck *
Dia de ascender a tocha da cidadania na praça principal de Dourados. Como em anos anteriores, o prefeito seria figura indispensável no evento cívico. Porém o Prefeito Ari Artuzi, juntamente com outras 27 personalidades da vida política e econômica da cidade, haviam tomado outro destino. Acabavam de ser detidos pela Polícia Federal (PF). Acusações nada leves. Imagens comprovavam a acusação de fraude e formação de quadrilha. O prefeito seria o chefe maior do esquema. Segundo a acusação só da saúde eram desviados 2 milhões de reais por mês. E destes, a módica quantia de 500 mil reais cabiam ao prefeito para compra de vereadores e bens pessoais.
Mas parece que a sina de Dourados era mesmo de começar a tirar a sujeira debaixo do tapete. Já haviam sido realizadas duas operações semelhantes - Brothers e Owari. Nesta última, em julho do ano passado foram presas pela PF 41 pessoas. Há uma semana a devassa da corrupção fora feita no Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Dourados, tendo seus diretores presos.
Cidade acéfala - quando o povo governa por um dia
Quem sabe um dia de democracia direta, com o povo no poder. Utopia ou realidade?
Em Dourados, onde quase tudo é possível, na hierarquia das leis, os passíveis de governar a cidade estão todos na cadeia. A especulação é de que o poder judiciário chame para si a responsabilidade de governar a cidade. Já houve um precedente no estado, quando em 2007 o município de Cassilândia teve seu prefeito e todos os vereadores afastados sob suspeita de corrupção. Um juiz então assumiu a prefeitura.
No muro das lamentações e do espanto, os três vereadores sobreviventes se lamuriavam pelo "prejuízo político enorme para Dourados e todo o Estado", como afirmou Gino Ferreira, ou manifestavam seu assombro diante dos fatos e pediam calma à população, conforme a vereadora Délia.
Conforme as denúncias, o esquema de fraude e corrupção, só na saúde, era de mais de 2 milhões por mês. Destes, o prefeito ficava com apenas 500 mil para suas compras, de bens e vereadores. E parece que sobrava ainda um dinheirinho para financiar a campanha de algumas pessoas. Três dos vereadores presos são candidatos a deputado estadual.
Deputados estaduais também se manifestaram sobre o episódio considerado "triste, que arranha a classe política do estado". (Campo Grande News)
Enquanto isso, um tímido regozijo podia ser percebido na população. Alguns arrependidos. Me enganei mais uma vez! Alguém ficou ansioso em conseguir o jornal do dia. "Mas será que os jornais não vão sumir?", perguntava. Ao que seu amigo respondeu. Não tem perigo, pois os que poderiam comprar todos os exemplares de jornais também estão na cadeia.
Estamos diante de mais um dos escândalos de uma elite econômica e política que tem se esmerado em denegrir os povos indígenas, em negar e impedir o reconhecimento das terras indígenas Kaiowá Guarani. Essa é a elite do "progresso, do trabalho, do desenvolvimento". Será que essas mesmas elites terão a ousadia de continuar negando aos povos seculares dessa região, as suas sagradas terras, roubadas por processos os mais diversos em nome do progresso?
A fé do povo vai além
Enquanto a perplexidade tomava conta da cidade, a tranqüilidade continuada nas centenas de pessoas de vários países, que na verdade procuravam entender as raízes e razões de processos históricos de dominação política e religiosa.
Importantes discussões e debates procuravam jogar luz sobre a história, envolvendo agentes do projeto colonial dominador e invasor dos povos, culturas e territórios, indígenas, e o atual processo político.
Paulo Suess, teólogo renomado, chamou atenção para a necessária ruptura com o modelo em vigor, baseados nos três A's - aceleração, autoritarismo e acumulação. Esclareceu que no modelo capitalista neoliberal não existe espaço de sobrevivência dos povos indígenas, razão pela qual está em curso no continente um importante processo de construção de uma outra América e outro mundo possível, com importante espaço e contribuição dos povos indígenas.
Edna de Souza, filha do líder Guarani Marçal de Souza que fez um emocionante discurso para o Papa em Manaus, em 1980, e poucos anos depois foi assassinado, expressou com lucidez sua crença de que seu povo, que conseguiu sobreviver séculos de opressão, vai também vencer o difícil momento por que estão passando as comunidades Kaiowá Guarani. Manifestou sua profunda crença na força da espiritualidade Guarani, como instrumento de luta e base fundamental da resistência e sobrevivência de seu povo. Disse que enquanto Guarani, precisa que ser otimista, do contrario não sobreviveria. Finalizou seu comovente depoimento afirmando a retomada da espiritualidade como ponto fundamental para conquista de seus direitos especialmente seus territórios e a afirmação da identidade.
* Egon Heck, Movimento Povo Guarani, Grande Povo.
Fonte: CIMI MS