Egon Heck *
Quando Getúlio Vargas, em plena segunda guerra mundial, promovia a ocupação das fronteiras e o combate ao latifúndio através da implantação da Colônia Agrícola de Dourados, não imaginava que um pouco mais de meio século depois, outro presidente estaria acelerando o processo de expansão e desenvolvimento do modelo concentrador capitalista na região. Pouco resta, ou quase nada daquele plano original. As centenas de pequenas propriedades de até 30 hectares, teriam se transformado em médias e grandes propriedades transformadas em pastagens, plantações de cana ou de soja. Uma das regiões de terra mais fértil do país e de prosperidade econômica é também a região que mais violência manifesta contra os filhos originários desse terra, os Kaiowá Guarani.
Conforme os relatórios de violência do Cimi, nos últimos cinco anos foram mais de 200 assassinatos, mais de cento e cinqüenta suicídios, mais de cem crianças morreram de desnutrição, mais de duzentos índios presos e mais de 90% das famílias vivem da cesta básica e outros benefícios do governo. Isso dá uma pequena dimensão da dramática situação a que está submetido esse povo. Antropólogos e outros cientistas tem qualificado semelhante situação como de etnocidio e genocídio.
E os Índios onde ficaram?
Sem terra. À beira da estrada. Em confinamentos. As grandes vítimas desse tipo de desenvolvimento envolto em ideologia discriminatória e racista, concentradora e excludente, foram os índios Kaiowá Guarani. Nos quarenta anos seguintes ao inicio da ocupação massiva de seus territórios (1943 a 1983) os Kaiowa Guarani praticamente foram sendo expulsos e tangidos para os oito pequenos confinamentos demarcados pelo SPI no início do século vinte. Hoje quatro desses confinamentos de um pouco mais de 8 mil hectares abrigam quase 30 mil Kaiowá Guarani e Terena ( Dourados, Caarapó, Porto Lindo e Amambaí). Quando, a partir da década de oitenta os índios começaram o movimento de retorno a seus tekohá (terras tradicionais) foram sofreram toda sorte de violências, de pistoleiros, milícias armadas contratadas pelos fazendeiros e despejos feitos pela polícia. O primeiro grande mártir e herói da resistência e retomadas foi Marçal de Souza assassinado em novembro de 1983, depois da primeira retomada, Pirakuá.
Hoje os Kaiowá Guarani lutam heroicamente para terem o mínimo de seu espaço tradicional para continuarem seus projetos de vida, conforme sua cultura e valores. Para isso o primeiro e indispensável passo é o reconhecimento de suas terras. Tem conseguido conquistas importantes, especialmente na área da educação, reconhecimento de sua cultura, especialmente a língua, que é falada em todas as comunidades e já tem sido reconhecida como língua cooficial no município de Tacuru e está em reconhecimento em outros municípios. Tem mais de duas centenas de alunos nas universidades e tem um curso especial de graduação na Universidade Federal da Grande Dourados.
Lula irá inaugurar oficialmente a Universidade Federal da Grande Dourados, que completa cinco anos de funcionamento, e na qual foram investidos mais de 80 milhões de reais, conforme noticia a imprensa local. Várias construções estão em andamento e outros apenas previstos, como é o caso do Centro de Estudos Indígenas.
Onde o Brasil foi Paraguai, onde o Brasil foi Guarani, onde o Brasil foi Território Federal de Ponta Porã, onde o Brasil foi mata Atlântica, ali Lula estará inaugurando obras do PAC, que vai acelerado, enquanto o TAC (termo de ajustamento de conduta para identificação das terras indígenas) está parado. Na terra do gado, da soja e da cana, Lula ouvirá certamente elogios do agronegócio e o grito de socorro dos povos indígenas. O Presidente Lula certamente se lembrará da visita que fez aos Kaiowá Guarani, quando candidato a presidente, das promessas de resolver o problema da terra Guarani ainda em seu primeiro mandato. Certamente sua consciência exigirá que resolva essa questão tão grave nos poucos meses de governo que lhe restam.
Os Kaiowá Guarani têm 6 minutos para expor sua dramática situação e apelo ao presidente Lula, que receberá também inúmeros documentos (koatiá) pedindo socorro, providências urgentes e especialmente a demarcação das suas terras. Será um momento histórico também para os povos indígenas da região que exigirão terra e justiça e que recentemente receberam a solidariedade dos demais povos indígenas do Brasil nessa luta pelos seus direitos, no Acampamento Terra Livre, realizado em Campo Grande.
* Egon Heck, Movimento Povo Guarani, Grande Povo.
Fonte: Cimi MS