Antonio Gaspari
Para muitos, a ideia de caridade não vai muito além da ação de distribuir esmolas.
Não há dúvida de que toda boa ação de doação para o próximo é meritória, mas, para o cristianismo, a caridade tem um significado muito mais profundo, e deve ser praticada para além da filantropia.
De fato, para a religião cristã, a caridade está intimamente ligada ao amor, à tomada de responsabilidade nas relações com os demais, que implica num comportamento fraterno. Talvez por essa razão São Paulo tenha indicado a caridade como "a maior e todas" as virtudes.
Tratando deste tema, o padre Giorgio Maria Carbone, frei dominicano e sacerdote, doutor em jurisprudência e teologia, docente de teologia moral junto à Faculdade de Teologia dell'Emilia Romagna, publicou recentemente um livro intitulado Ma la più grande di tutte è la carità ("Mas a maior das virtudes é a caridade" - Edizioni Studio Domenicano).
ZENIT o entrevistou.
ZENIT: O que é a caridade?
Padre Carbone: A caridade é, em primeiro lugar, a própria identidade de Deus. É o que nos ensina João: "Deus é amor" (1 Jo 4,16). Nesta passagem, o apóstolo usa a palavra grega ágape, que significa amor gratuito de benevolência. A caridade, assim, significa o amor com qual Deus ama a si próprio, isto é, o amor com qual o Pai ama o Filho, e este amor é o próprio Espírito Santo. A caridade significa também o amor com que Deus ama cada um de nós: e Deus nos ama com o mesmo Amor com o qual se ama, isto é, nos ama no Espírito Santo. É este o significado da oração que Jesus dirige ao Pai antes de ser preso (Jo 17,26): "Manifestei-lhes o teu nome, e ainda hei de lho manifestar, para que o amor com que me amaste [que é o próprio Espírito Santo] esteja neles, e eu neles". Enfim, a caridade significa também o amor com o qual nós amamos a Deus, a nós mesmos, e ao nosso próximo. Este último é, assim, um amor de resultados, que depende do fato de que Deus é amor e de que Deus nos ama.
ZENIT: O que distingue a caridade cristã do conceito de solidariedade e de outras formas de altruísmo secularizado?
Padre Carbone: O elemento característico que faz a diferença está em sua origem, na fonte e na consciência desta origem. A caridade é a própria natureza de Deus, é o fato de que Deus me ama com o mesmo amor com o qual ama a si mesmo. É justamente o fato de Deus me amar e me envolver em sua dinâmica do amor, que me torno capaz de amar com o mesmo amor: esta é a caridade cristã.
É uma espécie de habilitação que Deus opera em nós: Jesus Cristo, amando-nos, nos faz capazes de também amar com seu coração e seu impulso, com suas motivações e seus fins. Este é o desígnio de salvação pelo qual todo homem e toda mulher é chamado a participar ativamente: um desígnio de amor salvífico que se realiza mediante o amor voluntário, isto é, do amor que se faz doação. É o que diz São Paulo em sua carta aos Efésios. Assim, a caridade encontra sua origem no próprio Deus e nos coloca em conformidade com a vida de Cristo.
A solidariedade, o altruísmo, a benevolência genérica constituem boas disposições do ânimo humano, isto é, constituem autênticas virtudes e podem compelir aos mesmos gestos que nos conduz a caridade. Mas as origens e as metas da solidariedade e do altruísmo são diferentes daqueles da caridade: de fato, a solidariedade nasce da consciência de se pertencer a uma mesma comunidade, partilhando interesses e fins comuns.
ZENIT: Em seu livro, o senhor sustenta que a caridade é a forma de todas as virtudes. Porquê?
Padre Carbone: Dizer que a caridade seja a forma de todas significa que conduz todas as virtudes à mais alta perfeição. Mas é preciso entender bem. Cada virtude humana, como as virtudes cardeais da prudência ou da justiça, aperfeiçoa o homem relativamente a algum aspecto de sua vida. Por exemplo, a virtude da justiça aperfeiçoa minha vontade porque me torna capaz reconhecer e realizar o bem comum e o direito do próximo. Assim, me aperfeiçoa no que se refere às minhas relações sociais interpessoais. A caridade, por sua vez, me relaciona me primeiro lugar com Deus, porque é uma resposta de um amor recebido de Deus; depois, me relaciona comigo mesmo e com meu próximo, pois me torna capaz de amar a mim mesmo e a ele com o mesmo coração e a mesma vontade de Jesus Cristo; e, enfim, me orienta não tanto a buscar algum fim próximo, e sim o fim último e definitivo, que é o próprio Deus.
ZENIT: A fé católica indica a caridade como uma das virtudes teologais. São Paulo sustenta que a caridade é a maior de todas as virtudes. Qual razão desta posição privilegiada?
Padre Carbone: Em parte devido aos motivos que já discutimos, e em parte devido a outras razões que podem ser inferidas a partir da comparação entre as virtudes da caridade e aquelas da fé. Ambas são virtudes teologais, no sentido de que ambas têm Deus como origem: apenas Deus é causa eficiente da fé e da caridade, ninguém pode causá-las em si mesmo; podemos nos dispor a receber estas virtudes, mediante a oração, pela prática da humildade, recebendo os sacramentos, mas não somos nós que damos origem a tais virtudes: é Deus que as doa. São teologais também porque Deus é seu objeto: com a fé nós conhecemos a Deus e aquilo que Deus diz de si mesmo e da criação; e com a caridade nós amamos a Deus e por Ele somos amados. Mas a diferença é a seguinte: a fé aperfeiçoa a inteligência humana e nos leva a conhecer o próprio Deus. Este processo de conhecer faz uso da linguagem e dos conceitos humanos, e, portanto, de conceitos limitados, finitos, que são, por sua própria natureza, redutores da realidade ilimitada que é Deus. Assim, a fé, enquanto aperfeiçoa a inteligência, tem um limite objetivo: reduz Deus aos limites finitos de nossos conceitos, ainda que possam ser ideias e conceitos contidos na revelação histórico-bíblica. A caridade, ao contrário, aperfeiçoa a vontade, e esta vontade é dirigida à pessoa amada como nela própria. O amor e a vontade comportam um movimento da pessoa que ama à pessoa amada para alcançar esta pessoa em sua própria identidade real, e não por ideias ou conceitos que dela fazemos. Por essa razão, a caridade é também mais excelente que a fé: leva a alegrar-se e amar a Deus por aquilo que é em si mesmo.
Fonte: ZENIT