Waldemar Rossi *
Durante vários dias do mês de março, a mídia dispôs de um circo emocional para mexer com a sensibilidade dos seus consumidores e mantê-los presos à telinha ou para consumir jornais e revistas. Foi o julgamento do caso do assassinato da menina Isabella. Um caso chocante, sem dúvidas, pelo requinte de maldade e, sobretudo, pela ausência do que há de mais sagrado entre humanos: amor. O que prevaleceu, no caso, foi o sistema ter armado um verdadeiro circo para "dopar" os telespectadores e os leitores. Como em nosso país assassinatos nas grandes e médias cidades vão se tornando rotina e envolvem policiais civis e militares, além de outras "autoridades" (quase sempre quando o caso envolve tráfico de drogas), era necessário desviar a atenção do povo com um fato especial. E esse caiu como uma luva.
Porém se levarmos em conta o circo armado da ocasião em que se deu o crime, sua duração na mídia, desta vez, foi curta. O tempo tomado para o julgamento não foi tão longo quanto se poderia esperar. Ainda bem - para o sistema - que a partir do dia 4 deste abril, oficialmente entrou em cena o espetáculo eleitoral. É a nova etapa de uma velha prática, o grande jogo eleitoral através do qual a burguesia nacional e os interesses do grande capital têm peso determinante: eles têm de dizer ao povo quais as pessoas que escolheram para que o povo decida, entre elas, quem vai administrar os seus interesses, os do capital, bem entendido e não os interesses do povo. Como se fosse algo vital para o povo - como, de fato, deveria ser - jornais, revistas, rádio e TV fazem o jogo de quem está na frente dessa corrida.
Tem muita semelhança com as corridas da Fórmula 1, do automobilismo mundial: os torcedores ficam em frente à tela torcendo por este ou aquele, vibrando quando há uma ultrapassagem mais arriscada. É o que já vem acontecendo, principalmente entre os fãs do Serra e da Dilma. Mas já entraram em cena o Ciro, a Marina, que por enquanto disputam a rabeira dessa "corrida" e que terão em breve a companhia de outros que estarão sendo definidos pelos seus respectivos partidos.
Serão vários meses - de abril a outubro - em que teremos de suportar ataques pessoais, menosprezo entre candidatos, denúncias oportunistas de muita corrupção - casos e mais casos de corrupção que ficaram engavetadas por algum tempo à espera do momento eleitoral -, cada um querendo enxovalhar a trajetória do outro. E aí possivelmente caberá a estrofe daquela música popular: "mas se gritar pega ladrão...".
Nas esferas menores - eleição para deputados e senadores - teremos de conviver, além daqueles horríveis "espaços eleitorais" no rádio e na TV, com uma verdadeira enxurrada de panfletos invadindo nossas caixas de correio, ou nossos corredores (folhetos e jornalecos cheios de palavras bonitas e de falsas promessas), contribuindo para entupir, ainda mais, nossos já tão assoreados bueiros. E tome mais enchentes! E tudo para quê?
Para que, ao final do processo, o povo vá fielmente depositar seu voto naqueles que considera melhores que os outros, ou, em segundo turno, se seu candidato não chegou lá, escolher o "menos ruim". E assim continuaremos nossa triste sina de ter que escolher "quem vai nos trair", abusando das palavras do Pe. Alfredo Gonçalves, em seu belo e oportuno artigo: "Páscoa: O Túmulo Vazio".
Tomo a liberdade de reproduzir parte do seu escrito: "... numa palavra: a democracia da civilização ocidental parou a meio do caminho. Atingiu a superfície das decisões políticas, mas não penetrou nas correntes subterrâneas das decisões econômicas. Em última instância, são as 'dinastias econômicas' que acabam exercendo sua força para a escolha dos candidatos. O voto só é livre para este ou aquele candidato. Mas são os magnatas da economia que têm condições objetivas de colocar os candidatos em órbita. Dispõem para isso do poder de fogo do marketing e da publicidade, quando não do erário público... Quem se elege dança conforme a música ou fica à margem. Isso explica por que, em geral, votamos naquele que, mais cedo ou mais tarde, irá nos trair, independentemente de sua boa ou má vontade".
Para amenizar essa tortura psicológica, o longo processo eleitoral, teremos um outro circo, de mais curta duração, que nos fará esquecer, em parte, as agruras do ano eleitoral: o circo da Copa do Mundo, que ocorrerá na África do Sul, talvez com direito a assistirmos também a mais uma triste luta do seu povo, a luta contra o racismo e a pobreza da maioria negra.
É ainda do Pe. Alfredinho esta última reflexão: "Evidente que tudo isso abre fissuras para reflexão sobre novas formas democráticas. Formas novas onde o poder de decisão da população seja mais direto e participativo, onde seja reforçado popularmente o controle das práticas políticas, bem como dos impostos e do orçamento à disposição do país. Só assim poderemos sair do túmulo e viver uma nova e eterna Páscoa". Pois, que assim seja!
* Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
Fonte: Waldemar Rossi