A grande Nação Guarani: entre a utopia e a realidade

Egon Heck

"Temos muitíssimo a aprender com os Guarani. Não só os Yvy, senão os Tekohá do Mercosul...Temos que aprender com o grande legado dos Nhanderu para respeitar o ambiente, muito melhor do que o fazemos.Temos muito a aprender dessa forma da Grande Nação Guarani, essa integração que está acima das regiões e das fronteiras...Vamos assinar esse documento que nos parece Fundamental, que toca os temas essenciais, básicos, o tema da coesão cultura, o tema do diálogo e o tema do meio ambiente".(Ticio Escobar, Ministro da Cultura do Paraguai, em Añetete, 5/02/2010)

Cantada em versos e prosa, há cinco séculos, a grande Nação Guarani foi se construindo e desconstruindo em sua utopia e a realidade , entre braços escravos, tiros de fuzil e de canhão e a dominação colonial até hoje. A guerra contra os Guarani nunca acabou. Ontem eram as armas de fogo que dizimavam comunidades inteiras, hoje se mata negando a eles sua terra. Se era pelo menos dois milhões de pessoas na época da invasão , hoje estão reduzidos a 300 mil, em cinco países da América do Sul. Invadidos, reduzidos, dominados mas não vencidos! Retornam nos gritos heróicos de Sepé "Essa terra tem dono!" O projeto colonial com sua mordaça de ferro não conseguiu abafar a voz e a palavra profética e utópica dos Guarani. Seus lideres religiosos continuam alimentando a esperança da terra sem males, com sua mística e sabedoria.

Ao chegar no tekoha de Añetete e ali se encontrar com 800 Guarani provenientes de quatro países, a sensação era de um espaço de reencontro das utopias, do sonho de unidade dos Povos Guarani, de uma nova perspectiva para a solidariedade continental. Acima de todas as limitações e interesses, estava o enorme desejo de lutar e construir algo novo, entre os povos Guarani, neste início de um novo milênio. Apesar de algumas dúvidas quanto à dinâmica e conteúdo do encontro, eles tinham uma certeza - vai ser mais um espaço para avançar no fortalecimento da unidade dos Povos Guarani, da consolidação das alianças, de definição de estratégias e solidariedade da grande Nação Guarani.

Na fala dos Ministros da Cultura do Paraguai e do Brasil foram também ressaltados alguns aspectos da perspectiva de mudança de relações e ampliação de alianças. O ministro Juca falou "Esse é um momento histórico, de formação de novas relações. Sempre que pensarem no Ministério da Cultua do Brasil, pensem como aliado, como amigo. O ministério tem interesse em formar essa dignidade do povo Guarani...Muitos tem medo porque parte dos povos indígenas vivem nas fronteiras dos países vizinhos. Esse medo não faz sentido. Os índios não querem tráfego de drogas em seus territórios, os índios não querem destruição do meio ambiente em seu território, os índios não querem a poluição das águas em seu território...Fronteira separa, mas fronteiras também podem unir. A grande possibilidade de cooperação em relação à grande nação latino-americana, parte disso está depositado nessa grande transversalidade dos povos indígenas, que muito mais do que brasileiros são Guarani, são Kayapó... que se espalham por todo o território da América latina e podem gerar um novo tipo de solidariedade e irmandade muito mais profunda do que a sociedade conseguiu construir."

Itaipu e Belo Monte: dúvidas, dividas e promessas
Itaipu, o segundo maior empreendimento hidrelétrico do planeta, apenas atrás de Três Gargantas, na China, tem uma relação bastante direta com os Guarani, por ser a bacia do rio Paraná, território tradicional do povo Guarani.. Com a formação do lago de Itaipu 32 aldeias Guarani foram alagadas no lado do Paraguai e os índios jogados numa pequena extensão de um pouco mais de 2 mil hectares. A promessa da empresa e do governo Paraguaio foi de que outras terras seriam destinadas às comunidades Guarani. Promessas que até hoje, quase 30 anos depois não foram cumpridas. Do lado brasileiro, se dizia que não havia Guarani. Porém depois de localizada a comunidade do Ocoí, ela passou a ser um peso do qual a Itaipu tentou se livrar várias vezes. Com a formação do lago, a comunidade recebeu da Itaipu um pequeno pedaço de um pouco mais de 200 hectares às margens do lago, onde vivem hoje mais de 600 Guarani, numa região de fortes impactos, e insalubre, com enormidade de mosquitos.

A partir da pressão dos Guarani, a Itaipu comprou um pedaço de terra, onde hoje está a comunidade de Añetete, onde se realizou o encontro, com apoio financeiro da Itaipu. Porém ali próximo, até Guairá no Paraná existem hoje mais cinco acampamentos Guarani, sem nenhum tipo de apoio, passando fome, conforme informações dadas no encontro.

No Encontro dos Povos Guarani na América do Sul, foi anunciado um convenio entre a Itaipu e os ministérios da Cultura do Brasil e Paraguai para apoiar as demandas e necessidades do povo Guarani. Nada mais justo e urgente. A primeira e fundamental atitude será se empenhar pelo reconhecimento das terras/território Guarani. Sem isso todas as dúvidas, dividas e promessas continuarão vãs, vazias e hipócritas.

No momento em que se abrem as porteiras para o início da do terceiro maior complexo hidrelétrico do planeta, Belo Monte, na Amazônia Brasileira, é importante lembrar o que aconteceu com multidões de alagados, sejam eles povos indígenas ou populações tradicionais e ribeirinhas. No caso da construção da hidrelétrica de Belo Monte as terras de 11 povos indígenas serão atingidas e milhares de ribeirinhos do rio Xingu. Além disso a metade da cidade de Altamira ficará embaixo d'água.Tudo isso para satisfazer, de imediato algumas dúzias de grandes empresas ávidas de energia, que não conseguem em outros "países desenvolvidos"!

* Egon Heck, Cimi MS.

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