Educar é transformar

Selvino Heck *

São Miguel do Oeste, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, a mais de 600 km de Florianópolis, tem cerca de 40 mil habitantes, forte colonização alemã e italiana. É uma cidade aconchegante, limpa, onde ainda se pode deixar o carro aberto, a chave na ignição, que nada acontece, ou circular na rua sem medo a qualquer hora do dia ou da noite.

O salão do colégio dos lassalistas estava lotado de professores, professoras, alunos, alunas, autoridades locais e de municípios vizinhos, pais, comunidade e convidados do governo federal. O prefeito Nelson Foss da Silva faz uma saudação aos presentes, falando da importância do evento da noite. O Secretário de Educação Juarez da Silva (Juarez foi até o início do ano membro da Comissão Nacional da Rede TALHER de Educação Cidadã, ligada ao Gabinete do Presidente da República) e equipe fazem o lançamento da proposta pedagógica - educação popular, que vai nortear as ações pedagógicas da rede municipal de ensino e do governo municipal, cujo lema é GOVERNO COM PARTICIPAÇÃO POPULAR. Informações: www.saomiguel.sc.gov.br.

No folder de apresentação, o secretário Juarez escreve: "Construir uma escola pública com caráter popular pressupõe ampliar as aspirações educacionais de toda uma população que almeja um ensino de qualidade. É adotar uma postura de Estado provedor capaz de desdobrar-se em múltiplas frentes para atender o que espera o cidadão. A educação popular que propomos é baseada nos pressupostos teóricos do educador Paulo Freire, gestada e desenvolvida com a participação da comunidade escolar, gestores, educadores, professores, profissionais da educação, pais e educandos. Queremos por meio da educação popular proporcionar aos espaços escolares um ambiente de participação e protagonismo, com inclusão social e cidadania."

A proposta pedagógica está ancorada em vários princípios: Trabalho coletivo - É na relação entre os seres humanos que a gente cria, recria, dialoga, sonha, enfrenta conflitos, constrói e se projeta a um mundo mais justo. Construir conhecimentos de forma coletiva é fazer análises a partir das relações pré e pós-estabelecidas e atuar no fortalecimento de novas relações humanas e práticas comprometidas com a transformação social.

Autonomia - Princípio do respeito à s iniciativas, a criatividade do coletivo para a construção de alternativas que garantam a efetivação da proposta de Educação Popular.

Cidadania - Exercício dos direitos de todos os seres humanos, sejam crianças, adolescentes, jovens, adultos, terceira idade, que se constroem através da participação. Exercer a cidadania é ter acesso à educação, à saúde, à moradia, bens materiais, ao lazer, ao trabalho, à identidade como ser humano diferente e único. Direito de participar, por completo, das decisões que dizem respeito à sua vida e coletividade.

Democracia - É a democracia do protagonismo, de voz e vez, mas é também democratização de oportunidades sócio-econômicas. É a democratização do poder político que possibilite a construção de um projeto social e educacional mais justo, fraterno e de inclusão. É possibilitar a participação de todos/as nas decisões e que estas decisões beneficiem a maioria da população. É garantir a vida, a dignidade, o respeito integral a todos os seres humanos.

Proposta metodológica interdisciplinar - A equivalência interdisciplinar é uma atitude de abertura onde todo conhecimento é igualmente importante. A metodologia permite a apropriação do saber de forma integral, substituindo uma concepção fragmentária de saberes para uma compreensão unitária de ser humano e de conhecimentos.

Mais. A educação popular coloca-se na perspectiva de superação das atuais estruturas sociais de desigualdades, através de processos que pressupõem uma efetiva mobilização e participação popular. Baseia-se em alguns eixos norteadores: é concebida como um processo de descobrimento, criação e recriação de conhecimentos; assume como fundamental o conhecimento popular, assim como os valores e riqueza das expressões culturais e artísticas através da pesquisa; é um processo que busca responder às necessidades concretas de um grupo, segmento social e/ou comunidade; procura realizar uma estreita articulação entre teoria e prática; busca fortalecer a organização popular; impulsiona ao máximo a participação da base; incentiva o diálogo crítico e criativo, onde a pessoa adquira novas categorias e aprenda a pensar por si mesmo.

Na minha fala, repeti uma história contada outro dia pelo educador Carlos Rodrigues Brandão em Goiânia. Moacir Gadotti, hoje Diretor do Instituto Paulo Freire, foi um dia perguntar a Paulo Freire o que ele achava da idéia de criar um Instituto com seu nome, para guardar documentos, estimular a reflexão e manter a memória de suas idéias e pedagogia. Paulo Freire respondeu: "Se for para me repetir, não criem. Mas se for para me superar, vocês podem criá-lo."

São Miguel do Oeste está recriando e superando Paulo Freire a partir da sua realidade, de seu povo, de seus sonhos, de sua vontade de construir uma Santa Catarina, um Brasil e um mundo mais justos e solidários.

Saímos todos/as felizes e cheios/as de esperança. E cantando, junto com o maestro Tiba, a Adriana, o Anderson, o Sebastião e o Dinho, "quero paz no meu coração, quem quiser ser meu amigo, me dê a mão". E Gonzaguinha: "Fé na vida/ fé na gente/ fé que no virá./ Nós podemos tudo/ nós podemos mais./ VAMOS LÁ FAZER O QUE SERÁ!".

* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

 

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