Carlos Moura *
A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, constitui marco importante na caminhada do movimento negro e aliados em busca de medidas eficazes para que Estado e sociedade promovam ações, com o objetivo da superação dos preconceitos, da discriminação e do racismo, cujos tentáculos impedem o reconhecimento de negros e negras, com reais condições de oportunidades no panorama nacional.
Os próximos passos: plenário da Câmara; Senado Federal e finalmente, a sanção presidencial. Nos idos de 1996, um grupo de militantes da causa afro-brasileira reuniu-se na CNBB, com o então deputado Paulo Paim, e este começou a minutar o que viria a ser o projeto do estatuto. Foram anos e anos de espera, tempos e tempos de hibernação, vagares e vagares no parlamento.
É justo relembrar as dificuldades para a vigência de diplomas semelhantes: a Lei Afonso Arinos data de 1950; o inciso XLII do artigo 5º, os artigos 215 e 216, o artigo 68 do ADTC, todos da Constituição Federal de 1988; a Fundação Cultural Palmares é de 1988; a Lei Caó de 1989 e a Seppir (Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial) criada em 2003.
Lapsos temporais merecedores de reflexão: 40 anos separam a Lei Afonso Arinos e os dispositivos constitucionais, a Fundação Cultural Palmares e a Lei Caó. Decorreram quatro décadas para que a comunidade negra brasileira fosse objeto de mecanismos legais reconhecedor es dos seus valores e da sua inegável participação no modelo de formação da nacionalidade, mediante indisfarçável contribuição.
O Estatuto da Igualdade Racial será um grande passo em direção ao aperfeiçoamento da democracia e um dos caminhos destinados à superação dos entraves políticos, econômicos, sociais, culturais e muitos outros, além dos preconceitos, todos responsáveis por um constante, porém invisível, processo de marginalização que vitima os descendentes de africanos no Brasil.
O mencionado projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, no artigo 1º, ratifica o que precede, senão vejamos: "Art. 1º - Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnico-raciais individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnico-racial".
E tem mais. Conhecedor do Brasil multicultural e pluriétnico, o legislador soube estabelecer na lei proposta as diretrizes para o cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal relativos à matéria. Assim, disciplina vários mandamentos de Lei Maior, nos termos do estabelecido nos artigos 2º e 3º: "Art. 2º - É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia, raça ou cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais".
"Art. 3º - Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a reparação, compensação e inclusão das vítimas da desigualdade racial, a valorização da igualdade racial e o fortalecimento da identidade nacional brasileira."
Poder-se-ia ter avançado mais, porém o caminho é longo e cheio de obstáculos. Foram necessárias inúmeras negociações. É preciso ressalvar a capacidade de articulação, o diálogo e a paciência do ministro Edson Santos.
No longo percurso restam, ainda, as questões das cotas em discussão na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal e dos quilombos, esta a depender de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Feder al. A caminhada prossegue, a caravana continua marchando, com confiança na sua capacidade de ultrapassar obstáculos para o bem de todos na certeza de que, aos poucos, diminui a distância do modelo atual de relações étnicas e a verdadeira democracia racial brasileira.
* Secretário executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).