Gunther Zgubic *
O processo de desenvolvimento da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública foi intensivo, rico e muito positivo para quem participou. A divulgação, que dependeu de todos os três níveis de Estado, deixou muito a desejar, inclusive por falta de interesse da grande mídia, muito questionada sobre o seu papel no desenvolvimento da insegurança social no país e sua co-responsabilidade para mudar essa situação.
Uma participação em massa, neste processo, não aconteceu e talvez nem fosse esperada. A sociedade, majoritariamente, nem soube do importante início deste processo possivelmente inovador. E quem soube, em grande parcela, tampouco participou. Isto vale provavelmente também para as comunidades e serviços pastorais de Igreja. Tem informação de dioceses como, Santos ou Foz de Iguaçu, onde, em tese, todas as paróquias realizaram conferências livres, refletiram sua situação e enviaram as suas propostas mostrando sua disponibilidade e co-responsabilidade para um trabalho em conjunto na construção de uma segurança pública mais confiável. Tal participação proativa das organizações eclesiais ocorreu, provavelmente, em poucas dioceses. Em todo caso, o número de agentes pastorais eleitos nos municípios e estados para representá-los na Conferência Nacional não chegou a trinta, entre os 839 representantes eleitos da sociedade civil com direito a voto; como padres, identifiquei quatro ou cinco, e irmãs, idem. Da Pastoral Carcerária, éramos 16 que conseguiram ser eleitos como representantes da sociedade civil.
Mas ainda assim, o resultado em termos de participação geral é significante, de forma que o Ministério da Justiça pôde reportar: "Nesse período, foram realizadas 1.140 conferências livres, em 514 cidades, 266 conferências municipais e 27 estaduais. A discussão envolveu mais de meio milhão de brasileiros. ‘É uma vitória para o Brasil. Um marco histórico que vai transformar as propostas de toda a sociedade em uma Política de Estado e não mais de governo', afirmou a coordenadora geral da 1ª CONSEG, Regina Miki (http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ4E0605EDITEMID4C2D2860464
C4585A1FE8892E983412EPTBRIE.htm).
A metodologia foi participativa-democrática. Aconteceram ganhos e perdas para todos os pontos de vista; e também propostas contraditórias e de embate. O resultado, em termos de definições dos futuros princípios e diretrizes, mostram as tendências reais na sociedade. Entre muitas coisas importantes podemos lembrar alguns: A partir do ponto de vista dos direitos humanos, a 1ª CONSEG resultou em avanços e retrocessos.
Avançamos em termos de priorização dos SUSP, PRONASCI e do CONASP - Conselho Nacional de Segurança Pública -, propostas de gestão participativa e controle social e, parcialmente, em alguns conteúdos temáticos de políticas de segurança: em relação à necessária autonomia e compromissos de financiamentos na línea de segurança combinada com direitos humanos, criação de estruturas de conselhos gestores e deliberativos, de controle e transparência social das políticas; na valorização dos municípios, a ênfase em políticas preventivas e comunitárias, em prol da juventude, da família e de grupos vulneráveis, fortalecimento das Defensorias Públicas e do acesso à Justiça, em geral, penas alternativas, práticas restaurativas e alternativas de resolução de conflitos; reestruturação do sistema penitenciário, autonomia dos órgãos periciais, etc.
Conseguimos a decisão pela não redução da maioridade penal. Os retrocessos, a partir do ponto de vista de direitos humanos, são a diretriz mais votada que é a da criação de uma polícia penal; o voto pela desmilitarização da polícia não foi muito forte, e muito menos forte foi o voto contra a redução da maioridade penal. Preocupante é o voto pela introdução do ciclo completo pela atuação da Polícia Militar - sem pressuposta desmilitarização etc.
Benedito Mariano, co-fundador do MNDH e atual Secretário de Segurança Urbana de São Bernardo do Campos/SP, destacou a importância histórica desse momento: "O setor que mais representou o arbítrio no país foi a Segurança Pública", citando os períodos de ditaduras. Para ele, a Conferência quebrou tabus ao demonstrar que a sociedade civil está preparada para propor soluções nesta área. "A segurança é questão de polícia, mas também de prevenção. É a defesa intransigente dos direitos humanos".
Em geral, o clima de trabalho foi excelente e, talvez, a mais importante vitória foi a de que os representantes eleitos tiveram a graça de ricos momentos em cultura de diálogo, discussão construtiva e decisão conjunta, na pluralidade de pensamento que existe; o junto superou o contrário e contraditório. Saímos com a vitória de que um povo recuperou a sua crença na sua capacidade de construir algo melhor para todos, de superar a sua paralisia no desespero, medo e ódio por não conseguir vencer a sua crise de segurança e de se sentir refém da violência.
Resta-nos, agora, o desafio de continuar esse processo de construção em todos os âmbitos. As comunidades, pastorais, movimentos, organismos e conselhos eclesiais são convidados a não desistir de assumir a sua co-responsabilidade cidadã e cristã neste processo; mas a participar de forma exemplar. Pois, a Igreja tem uma riqueza e uma grande possibilidade de contribuições insubstituíveis. O adequado seria que todas as dioceses criassem um processo permanente de Ver-Julgar-Agir, começando com um mapeamento das situações de violência e insegurança humana, das forças negativas e positivas em cada território das comunidades e paróquias; construindo respostas mediante um conceito concreto de pastoral de conjunto; buscando aliados em cada bairro e município; participando dos conselhos comunitários autônomos de segurança existentes ou a serem criados; fazendo pontes em direção das políticas públicas locais; e lutando por contratos de segurança pública, a serem celebrados em relação aos bairros dos municípios, com as instituições de Estado e as forças comunitárias existentes.
* Padre Gunther Zgubic, Pastoral Carcerária Naciona.