Egon Heck *
BR 163, município de Rio Brilhante. O barraco de dona Glória vai se ficando cheio de ansiosos Kaiowá Guarani da comunidade de Laranjeira Nhanderu. É véspera de mais um dia de despejo anunciado. Dra. Adriana está no telefone explicando à comunidade a situação, com algumas nuanças e possibilidades do ponto de vista jurídico, mas cujo cenário mais provável poderá ser o despejo da comunidade pela polícia a partir do dia 26 de agosto.
"Isso poderá acontecer a qualquer momento, uma vez que a decisão da reintegração está vigorando. Ainda existe possibilidade de reverter o quadro com o julgamento de uma ação pelo Tribunal Regional 3ª região no dia de amanhã. Mas é apenas uma probabilidade" e concluiu em tom realista "Temos que estar preparados para tudo".
É de cortar a alma ver mais de duas dezenas de olhares irem entristecendo, vagando nas imagens da provável paisagem do despejo e sofrimento na beira da estrada. Parece que um pesadelo envolveu aqueles seres curtidos na dor e resistência, sem nunca perder a esperança. A iminência do despejo é um punhal que está sob suas costas. Ficam quietos, pensativos.
Naquele final de tarde de 26 de maio a comunidade de Laranjeira Nhanderu pensava que desta vez haviam afastado o dragão do despejo. A Funai tinha mais 90 dias para entregar à justiça o relatório de identificação da terra indígena. Eles iriam cobrar diariamente o empenho do órgão indigenista. Esta por sua vez foi intimada a apresentar relatórios quinzenais à justiça. Parece que nada adiantou. Passou-se o tempo e o fantasma do despejo está de volta. Hoje expira o prazo. Novos dias de angustia e sofrimento.
Culpas e desculpas
A Funai por sua vez afirma ter cumprido sua obrigação de relatórios quinzenais, mesmo que não tenha conseguido realizar o trabalho. "A administradora regional da Funai, Margarida Nicoletti, afirma que o órgão iniciou os estudos, mas a conclusão dos trabalhos foi comprometida pela liminar do desembargador Luiz Stephanini, do próprio TRF... No dia 22 de julho, a pedido da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária), Stephanini suspendeu os efeitos das portarias da Funai para identificação de áreas indígenas em 26 municípios do Estado, entre eles Rio Brilhante...A Funai e o MPF (Ministério Público Federal) instauraram quatro procedimentos para identificação e reconhecimento das terras indígenas da Bacia do Rio Brilhante, onde está localizada a área ocupada. Entretanto, os trabalhos também suspensos pela Justiça."(Campo Grande News, 18 de agosto 2009).
A comunidade, através de suas lideranças manteve um contato quase permanente com a Funai e o Ministério Público Federal em Dourados. Vendo que o prazo ia se esgotando sem que efetivamente os trabalhos tenham sido realizados, ou concluídos, as lideranças enviaram documento à desembargadora Dra. Marli Ferreira "Queremos expressar os nossos anseios, de que nos liderança, fizemos todos os esforços possíveis para o andamento, conforme no prazo determinado. E no entanto, percebe-se que o andamento ocorre " a passo de tartaruga" não respeitando a decisão.
E por isso, que nos comunidade indígenas Laranjeira Nhanderu Rio Brilhante estamos preocupado e tristes ao ter este conhecimento, lamentamos muitos que tal situação tenha chegado a este ponto, percebe-se que não temos "culpa" pelo atraso dos estudos GTs. (Carta à Dra. Marli Ferreira)
Preparados para tudo
Quando o sol já ia se dirigindo para o horizonte, terminava mais um rápido momento de informação e apreensão. O grupo que antes do início do encontro estava na normalidade de sua alegria e expansividade, agora se encontra visivelmente preocupado. Cabisbaixo, foram um a um pegando sua bicicleta ou a pé e se dirigiram para dentro do pequeno espaço abaixo das árvores onde há quase dois anos aguardam a definição e regularização de suas terras. O espectro do despejo pesava novamente sobre seus ombros.
No final do encontro, o Nhanderu Olimpio (líder religioso) desabafou em tom de revolta, diante do que estava ouvindo e das novas ameaças "vou rezar para todos os brancos morrerem, pro mundo acabar". Para quem conhece o espírito de incomensurável paciência e espírito pacifista dos Guarani, pode se dar conta do peso de semelhante desabafo.
Os movimentos sociais do Mato Grosso do Sul, uma vez mais estarão lá com os Kaiowá Guarani, nessa vigília pela terra e pela vida, contra a agressão, a violência, o despejo. A comunidade espera que seus amigos e aliados em todo o país e no mundo, se mobilizem para que não aconteça mais essa grave injustiça e violência contra a comunidade de Laranjeira Nhanderu.
* Egon Heck, assessor do Cimi MS. Campo Grande, 26 de agosto de 2009. Feriado de comemoração dos 108 anos de Campo Grande