Carlos C. dos Santos *
O golpe militar que depôs o Presidente Manuel Zelaya de Honduras é, mesmo se interpretado serenamente, o retorno a um grande pesadelo que se julgava definitivamente extirpado da história de nossos povos.
Por isso, parece que o episódio não pode ser lido isoladamente, mas está inserido no contexto mais amplo e conjuntural da América Latina secularmente oprimida pelo imperialismo norte-americano que, em contrapartida, enfrentou e continua enfrentando um processo relativamente lento, porém perseverante e evolutivo, de resistência e libertação.
Só para reavivar a memória, com o triunfo da Revolução Popular Sandinista, na Nicarágua, em 1979, o governo dos EUA assumiu prontamente duas posições estratégicas, com o objetivo de conter o avanço do projeto revolucionário, e impedir que a Pátria de Sandino se tornasse "mau exemplo" para os demais países do Continente. De um lado, precisamente em Honduras, foram estabelecidas bases militares que, dirigidas pelos EUA e apoiadas pelos "contra" (nicaraguenses partidários de Somoza e seu séquito), tinham a missão oficial de matar os guerrilheiros e destruir e depredar completamente o que sobrara da já devastada Nicarágua. De outro, a partir de Costa Rica, foi constituída a base ideológica que, financiada pela CIA, se encarregava da propaganda exclusiva e exaustiva contra a revolução, onde a lei era a do vale tudo - da mentira à lavagem cerebral -, desde que se cumprisse a finalidade proposta de convencer os chamados radicais que uma nação só pode ser viável se subordinada aos interesses norte-americanos.
Hoje, ainda e até porque vivamos novos tempos, parece que o golpe militar em Honduras deve ser lido em estreita relação com a crise do imperialismo-colonialismo-capitalismo, e o consequente enfraquecimento da direita, nos setores tradicionalmente elitizados que dominam o Continente com o apoio dos EUA de Carter, de Reagan, de Bush... Obama condenou o golpe, mas de uma maneira tão tímida, que para quem lê nas entrelinhas logo percebe que sua condenação não tem fundamento e muito menos consequencia. Disse que "Zelaya deve retornar a Honduras, mas, evidentemente, não pela força". Que interpretação dar a esta declaração? Os EUA nunca fizeram valer sua vontade pela força? Ou só agem pela força quando seus interesses estão em jogo? Ou, ainda, só usam de força para matar pobres e legitimar governos corruptos, como foi o caso, só para ficar entre nós, de Cuba, Nicarágua, El Salvador, Granada e tantos outros?...
O desespero ou síndrome do pânico estadunidense, apesar de vir de longe, atinge seu ponto crítico num momento em que "em nossa América, no meio de ambiguidades, crispações e desencantos, está-se dando uma virada para a esquerda" (Pedro Casaldáliga). O expressivo amadurecimento da consciência e participação políticas, somado ao anelo de libertação de todas as opressões, tem recuperado a auto-estima de cidadãs e cidadãos bolivarianos que fazem valer sua vontade em eleições de governos populares, que representam hoje, salvaguardadas as devidas proporções de intencionalidade e intensidade, uma alternativa à idolatria do mercado.
O Povo hondurenho que resiste e reage e, apesar do toque de recolher imposto pelos militares golpistas, organiza uma greve geral para reivindicar o retorno imediato de seu presidente é a prova cabal de que ajoelhar-se diante do inimigo é página rasgada do livro da história.
Todos proclamam alto e em bom tom que a opção hoje é pela democracia que conquista o poder pelo voto. Nem revoluções sangrentas, e muito menos golpes fascistas. Na prática, contudo, democracia supõe respeito à Constituição, às liberdades individuais e coletivas, à vontade popular, consagradas num autêntico e legítimo processo eleitoral, sem ingerências da mídia burguesa, do oportunismo e da corrupção dos politiqueiros, ou de coronéis magnatas da cidade e do campo.
Neste modelo de democracia, toda ação golpista, venha de onde ou de quem vier, deve ser contundentemente combatida como inaceitável, condenável e obsoleta. Com o Povo hondurenho, toda a Pátria Grande impõe o retorno do Presidente Manuel Zelaya, para que se restabeleça imediatamente, em Honduras, o Estado de direito, e sejam devidamente respeitados os direitos à soberania e autodeterminação dos povos.
* Carlos C. dos Santos é assessor das CEBs e do projeto Formação Missionária Permanente da Arquidiocese de Juiz de Fora.