Egon Heck *
Repentinamente o anúncio surpresa – O Ministro da Justiça Tarso Genro e o Presidente da Funai estarão se dirigindo ao Acampamento Terra Livre. Um alvoroço. Os trabalhos estavam ainda no seu início, e as cobranças ao governo seriam em documentos e audiências no final do sexto acampamento indígena na esplanada dos ministérios, próximo ao Ministério da Justiça.
Durante mais de uma hora e meia o Ministro ouviu as graves denúncias de violação dos direitos indígenas, as violências e ameaças contra povos e aldeias, o processo genocida ameaçando de extinção comunidades e grupos em situação de isolamento ou considerados entraves a esse tipo desenvolvimento perverso, que não respeita povos, culturas e a natureza.
Até quando, senhor Ministro? Até quando vamos ser enganados, nossos líderes assassinados ou criminalizados, nossas terras invadidas, nossos recursos naturais roubados, nosso povo pisado? Chega de mentira, estamos em guerra. Essas foram algumas das duras críticas e cobranças feitas ao Ministro da Justiça.
O Ministro em sua fala às lideranças reiterou, assim como o presidente da Funai, o compromisso de continuarem lutando de todas as formas para garantir os direitos dos povos indígenas. Citou o número de 29 portarias declaratórias de terras indígenas, o que daria mais de uma por mês, durante sua gestão. Foi feito menção especial ao compromisso assumido de demarcar as terras Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul. Declarou que qualquer violência cometida pela polícia federal contra comunidades indígenas, é um equívoco, um desvio de conduta e não uma decisão do Ministro ou do presidente da Funai. “Vamos continuar cumprindo a lei”, garantiu.
No final do encontro recebeu um pacote com dezenas de documentos de todo o país. Também recebeu agradecimentos pelo empenho e conquista de alguns avanços do movimento indígena, como a instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista, CNPI, o empenho na conquista da vitória da Raposa Serra do Sol, dentre outros.
Foi impressionante como de repente da plenária emergiu um batalhão de fotógrafos, todos tentando levar um registro do importante momento.
Momento especial
Esse acampamento tem um sentido especial. Por um lado é a celebração da vitória da Raposa Serra do Sol, em Roraima, com a retirada dos últimos invasores e a consolidação da terra através do julgamento do Supremo Tribunal Federal. Razão do surgimento do Acampamento Terra Livre e tema permanente do mesmo nestes cinco anos, este é o momento de definição de novas estratégias e prioridades do maior espaço político de debate, decisões, cobranças e definição de estratégias do movimento indígena no Brasil.
Esse é sem dúvida, para os povos indígenas, o momento de maior relevância desta primeira década do século vinte e um,. É o maior e mais expressivo encontro das nacionalidades e povos indígenas do Brasil. Até ontem eram 958 participantes registrados, de 113 povos de todo o Brasil.
O tom do encontro está dado. O recado é de cobrança dura dos três poderes em sua omissão ou atuação contrária aos direitos indígenas. É tempo de cobrança. É o momento de denuncia e exigir os direitos e cumprimento da lei. Chega de violência, basta de enganação! Queremos ação, respeito, paz e dignidade.
Amanhã estarão se dirigindo aos espaços dos três poderes. Não estarão apenas falando da situação, levando documentos, mas cobrando prazos de ação e cumprimento da lei.
Mato Grosso do Sul, prioridade de luta
Durante os dois primeiros dias do acampamento emergiu claramente a nova prioridade de luta pelos direitos indígenas no Brasil – os povos indígenas do Mato Grosso do Sul. Na verdade foi a confirmação do que já se vinha anunciando desde a confirmação da vitória dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, em Roraima. Os políticos deste estado logo falaram da “bola da vez”. E imediatamente entraram em ação. Capitaneados pelo governador, senadores, deputados e representantes do agronegócio começaram sua peregrinação a Brasília, sendo o alvo a Casa Civil e o Ministério da Justiça. A intenção era uma só: paralisar imediatamente a demarcação das terras indígenas, suspender os Grupos de Trabalho que estão realizando a identificação das terras indígenas Kaiowá Guarani e Terena. Consideraram-se vitoriosos, conforme a mídia local.
Em carta entre ao Ministro da Justiça e presidente da Funai os povos indígenas do Mato Grosso do Sul destacam as principais situação de violência, apontando como causa principal a falta de terra, exigindo imediatas medidas para conter esse genocídio, principalmente contra o povo Kaiowá Guarani. No documento endereçado também ao presidente da República, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Polícia Federal, “O Grito dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul pela demarcação de nossas terras – contra a violência e o racismo”, destacam: “Nós, povos Guarani e Terena de Mato Grosso do Sul, somos mais de 70 mil pessoas e vivemos, de fato, em 50 mil hectares de terra, aproximadamente. Tiraram nossas terras, nos confinaram. Destruíram nossas riquezas naturais e nossos rios - mas não conseguiram nos calar ou fazer com que abandonássemos nossa resistência e luta pela retomada de nossas terras!
Nos últimos anos nossa situação veio piorando com toda a fome e violência, principalmente pela falta de nossas terras tradicionais, que para nós são sagradas, nossa mãe. Assassinaram vários de nossos líderes e nenhum assassino está preso. Por outro lado, várias de nossas lideranças têm sido presas, perseguidas e criminalizadas por reivindicarem os direitos assegurados pela Constituição Federal Brasileira.
A este cenário desumano, somam-se os piores índices de violência contra os povos indígenas do Brasil. O Mato Grosso do Sul, hoje, é o estado com o menor índice de terras demarcadas do Brasil e, em contraponto, tem a segunda maior população indígena do país. Além disso possui os maiores índices de assassinatos, suicídios, prisões e desnutrição infantil, entre os povos indígenas.”
No documento denunciam o terrorismo de que estão sendo vítimas, em campanha declarada de guerra contra seus direitos e suas vidas, especialmente pelo agronegócio, governo estadual e políticos.
“Acabou nossa paciência. Quando voltamos para nossas terras tradicionais-tekoha somos recebidos à bala, matando, prendendo ou ferindo nossas lideranças. Estamos ameaçados de sermos expulsos por decisões concedidas pelo Judiciário Federal em beneficio de fazendeiros, como o caso da Terra Indígena “Laranjeira Ñande Rú”. Para piorar ainda mais essa situação estão plantando cana até perto de aldeias como é o caso de Jatawari, município de Ponta Porã dentre outros. Se querem entregar nossas terras a estrangeiros e grandes grupos para produzir álcool, exigimos que antes demarquem e respeitem nossas terras.”
Terminal o documento cobrando decisão política e ações firmes. “Exigimos que o prazo para identificação de todas as terras Guarani, que está previsto para dia 30 de julho seja rigorosamente cumprido. Igualmente exigimos que todas as terras indígenas do Mato Grosso do Sul sejam demarcadas até o final do próximo ano. O governo Lula prometeu demarcar todas as terras indígenas até o final de seu primeiro mandato. Nossas comunidades e organizações indígenas estarão cobrando a todo o momento o cumprimento desse prazo. Que as autoridades do estado brasileiro compreendam que no mato grosso do sul a demarcação acabará com as incertezas e injustiças! que o povo Kaiowá-Guarani , Terena e Kinikinawa quer a paz, para isso existem muitas terras para todos e todas, índios e não-índios!”
No final do documento entregue ao Ministro da Justiça, lembram que não estão sós nesta luta e agradecem a solidariedade nacional e internacional à suas lutas e em especial aos povos indígenas presentes no acampamento “Queremos também mostrar, para todas e todos os presentes, a nossa força, resistência, espiritualidade e esperança, marcadas pela busca incessante da “Terra Sem Males” (Yvÿ Marã Eÿ).
Denuncias e Cobranças
Dos 53 depoimentos feitos por lideranças indígenas de todo o Brasil, a quase unanimidade foi cobrando providências com relação à demarcação e desintrusão das terras indígenas e ao modelo de desenvolvimento em curso. A tônica é de que acabou a paciência. Esperamos demais. Dialogamos durante seis anos com o governo Lula, entregamos milhares de documentos, e tudo isso não resultou em ações efetivas de garantia dos direitos, especialmente à terra. Por isso a cobrança e urgência “tem que ser esse ano”.
Outro tema de cobrança foi o empenho pela aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, conforme a proposta que foi construída por todo o movimento indígena, a partir das aldeias e comunidades, e que está sendo consensuado neste acampamento.
Outro tema de inúmeras denúncias foi contra o PAC ( Programa de Aceleração do Crescimento) que foi considerado como um programa impacto e negação de direitos indígenas e destruição da natureza.
Acampamento Terra Livre, Brasília, 6 de maio de 2009
* Egon Heck, assessor do Cimi MS.
Fonte: Cimi MS