Roberto Malvezzi (Gogó) *
Foi com relutância – até que fiquem mais claras todas as conseqüências – que a Comissão Pastoral da Terra assumiu, em sua XXI Assembléia, a bandeira do “Desmatamento Zero”. O receio de que ela venha de grandes ONGs, que limite a reforma agrária, que seja uma generalização para pequenos e grandes, foi a base dos argumentos levantados. De fato, é preciso reconhecer que o desmatamento zero trás consigo inúmeras implicações ainda não totalmente investigadas. É provável que contribua para uma reinvenção da reforma agrária, já que a posta atualmente tem mostrado muitos ângulos de inviabilidade, inclusive ambiental.
Ainda dependendo de uma investigação mais profunda, o certo que é que só dão certos os assentamentos que respeitam as leis de cada bioma. Por exemplo, só dão certo no semi-árido os assentamentos que vêm na lógica da convivência com o semi-árido, captando a água de chuva para beber e produzir, garantindo áreas de pastagens coletivas, mantendo a caatinga em pé para a criação de pequenos animais e para a apicultura. Nesse bioma, os assentamentos que desmataram para plantar grãos, faliram. Por conseqüência, o povo migra. As CPTs da Amazônia, também para exemplificar, já decidiram que reforma agrária na floresta só faz sentido “para mantê-la em pé”.
O “Desmatamento Zero” deveria fazer parte da agenda de todos os movimentos sociais, inclusive dos que lutam pela terra e reforma agrária. Justificar o desmatamento como necessidade da reforma agrária é contribuir com o latifúndio e o agronegócio. Esses sim, só podem sobreviver pelo desmatamento e pelo descomunal subsídio governamental que recebem.
O Brasil já está excessivamente desmatado para comportar mais derrubadas e queimadas. A reforma agrária tem que acontecer em áreas já desmatadas, ocupadas pelo agronegócio, onde as terras ainda são férteis. Fazer a reforma em áreas degradadas só se for como apoio explícito aos pequenos agricultores para zelarem do meio ambiente, restaurando a natureza degrada, não para sobreviverem da agricultura naquele espaço.
O Ministério Público do Acre acaba de entrar com uma ação para que qualquer derrubada ou queimada de floresta seja proibido a partir de 2011. Ótima medida, mas longe demais. A bandeira do “Desmatamento Zero” tem que ser erguida já.
A razão é simples: o Brasil é o quarto maior contribuinte mundial para o aquecimento global. Não são nossos carros que poluem o mundo. Nesse item somos insignificantes. É a queima e a derrubada de nossas florestas que nos põem nesse patamar, contribuindo com 75% de todas as nossas emissões. Portanto, além de defendermos o patrimônio natural que nos resta, rompendo com uma inércia civilizatória que vem do primeiro dia da história do Brasil, daremos uma contribuição monumental para evitar a hecatombe do aquecimento global, além de preservarmos nossa biodiversidade e clima. É preciso ainda considerar que a Terra também precisa de sua cota de vegetação para respirar e continuar viva. Do contrário, se vinga.
Todos ao desmatamento zero. Agarremos essa chance antes que cheguemos ao ponto sem volta.
* Roberto Malvezzi é coordenador da Comissão Pastoral da Terra - CPT. Fonte: Roberto Malvezzi (Gogó)