Selvino Heck *
Na reunião da equipe nacional do TALHER e da Comissão Nacional da Rede de Educação Cidadã, há dias, os homens prepararam uma mística de homenagem às mulheres por ocasião do seu dia agora em março. Em silêncio, escutamos e cantamos músicas de Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Mercedes Soza, ouvimos e declamamos poemas de Cora Coralina e ao final oferecemos uma flor a todas as mulheres do grupo.
Todos ficaram emocionados, especialmente porque cada um escreveu numa cartela os nomes das mulheres que mais marcaram sua vida e falou a todos os participantes porque cada uma delas marcou profundamente sua vida. Escolhi quatro mulheres, entre tantas que me acompanharam no tempo, que continuarão especialmente presentes o resto da vida. Mamãe Lúcia: uma pequena agricultora de Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, com quem só falo alemão, e que, aos 82 anos, depois de criar 9 filhos, lava o chão de casa sem dobrar os joelhos, cozinha, lava roupa, vai pra roça todos os dias e na devoção ou missa aos domingos. Vó Gertrudes que, com mão de ferro, criou 15 filhos e depois acolheu os netos, muito religiosa e capaz de, com um olhar, silenciar todos ao redor. Tia Nida, que morreu estupidamente num acidente provocado por uma moto quando ia pra roça, e que, sentada, sortindo fumo, escrevia com carvão bem preto letras e palavras nas paredes do galpão, e mesmo eu chorando e reclamando me fez aprender a ler e escrever aos cinco anos de idade e tomar gosto pela palavra e pela escrita. Marta, minha ex-companheira, que me fez decidir sair dos franciscanos e mudou minha vida.
Depois, numa reflexão sobre a conjuntura, crise internacional, as oportunidades que se abrem, Cláudio Nascimento, antigo lutador das causas populares, estudioso das lutas dos trabalhadores e hoje da equipe nacional do TALHER, fez uma análise das razões que levaram à derrocada de quase todas as revoluções, vitoriosas no início, cheias de utopia e valores de transformação, como a russa de 17 e tudo que a ela se seguiu, a chinesa, a nicaragüense, até mesmo a cubana, esta que ainda resiste. Havia a mudança econômica, a construção de um novo Estado, mas em geral faltou uma nova sensibilidade, a incorporação da emoção e do sentimento, da individualidade no coletivo, da capacidade de perdoar, da condição de refazer todo dia o compromisso com o outro e a outra, a pertença profunda à comunidade, a compreensão de que os seres humanos têm virtudes, mas sofrem também por falta de amor, ou porque o amor se desfez, ou porque em comum, na família, na escola, na comunidade, no trabalho, é sempre necessário um esforço diário de respeito, de entrega, de compreensão, de solidariedade.
Revoluções fracassaram, grandes projetos de cooperação deram com os burros nágua, igrejas e religiões se perderam na história, movimentos populares se dividiram, lideranças das causas do povo se odeiam ou até se matam. O que deveria unir faz separar. O que deveria fazer sonhar torna-se pesadelo, onde deveria surgir o novo o velho embolorado acaba vitorioso.
Quem não viveu ou participou de situações semelhantes? Quem não teve que se reerguer, sozinho ou com alguns sobreviventes, de mais um belo projeto que se foi na poeira da estrada? Quantos não abandonaram o sonho generoso em troca de alguns ‘mil réis', ou de algum cargo privilegiado, ou de alguma vantagem imediata?
Recordar as mulheres que amamos e fizeram nossas vidas, nosso pensamento, nossos valores, nosso jeito de ser e viver, seja as que estiveram mais próximas em nossa vida, seja as que nos inspiraram nos seus/nossos ideais, por suas lutas em favor da igualdade, em favor dos direitos, empunhando as melhores bandeiras, faz parte deste revigorar necessário num mundo dominado pelo egoísmo, pela imediatismo do enriquecimento, pela sanha da vitória a qualquer preço, pela pressa desabrida, pelo ‘quem pode mais chora menos'.
As mulheres nos ensinam que o tempo é sempre amigo e companheiro. Se não é hoje, pode ser amanhã. As mulheres nos confortam com seu jeito doce e às vezes severo de dizer que não somos donos da razão e do mundo. As mulheres nos provocam com seus galanteios e nos fazem chorar de prazer. As mulheres nos mostram que a paciência pode e às vezes deve ser infinita. As mulheres nos ensinam que a dor pode estar calada no fundo da alma e que a alegria pode transbordar e marcar o resto de nossas vidas.
Tomara que o terceiro milênio e o século XXI sejam das mulheres, de todas as mulheres, e que aquelas ainda espezinhadas nos seus direitos, as estupradas e violentadas saiam de seu silêncio e gritem mais alto por liberdade, por compaixão, por igualdade. Quem sabe estes tempos de crise e de perplexidade geral sejam humanizados com seu sorriso, sua capacidade de amar, sua ternura e seu olhar de dizer, e fazer, que ‘um outro mundo é possível'.
* Selvino Heck é assessor Especial do Presidente do Brasil
Fonte: www.adital.com.br