Claudemiro Godoy do Nascimento *
A oportunidade para colocar em prática as idéias neoliberais surge na década de 1970 e no início da década de 1980, com o acirramento do sentimento anticomunista em fins da década de 1970, provocado pela segunda guerra fria que eclodiu com a intervenção soviética no Afeganistão e com a vitória de candidatos conservadores na Europa e nos Estados Unidos.
A vitória de Margareth Thatcher na Inglaterra, em 1979, assegurou para esse país o pioneirismo na Europa na efetivação da receita neoliberal. Foi o primeiro país do centro do capitalismo a se empenhar na concretização do neoliberalismo.
O centrismo liberal e a economia keynesiana ficaram subitamente fora de moda. Margaret Thatcher lançou o chamado neoliberalismo, que era na realidade um conservadorismo agressivo de um tipo que não era visto desde 1848, e que envolveu uma tentativa de reverter a redistribuição do Estado de Bem-Estar, de modo a beneficiar as classes superiores e não as classes mais baixas (WALLERSTEIN, 2004: 61).
As ações de Thatcher foram: contração da emissão de moeda; elevação da taxa de juros; redução considerável dos impostos sobre os rendimentos altos; abolição do controle sobre os fluxos financeiros; criação de níveis de desemprego massivos; imposição de uma legislação anti-sindical; corte de gastos sociais; e lançamento de um amplo programa de privatização que atingiu a habitação pública, a indústria de aço, o setor elétrico, a produção de petróleo, a produção de gás e o fornecimento de água (CREMONESE, 2001: 09).
Os governos de outros países da Europa tiveram dificuldades na implementação do receituário neoliberal. Isso se deu por causa da resistência das organizações e movimentos populares, especialmente dos sindicatos que lutaram para manter os direitos adquiridos. Esses movimentos de resistência aconteceram em diversos países, tais como Alemanha, França, Espanha e Itália.
A vitória de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, marcou o início da prática neoliberal nesse país. O neoliberalismo foi erigido em doutrina oficial da política econômica do governo dos Estados Unidos, a qual permaneceu durante toda a década de 1980. O monetarismo de Milton Friedman teve uma influência grande no começo, porém a sua rigidez doutrinal criou muitos problemas. Por isso foi substituído por formas menos dogmáticas, mas sempre originadas da doutrina do laissez faire, do princípio da não-intervenção do Estado na economia.
Eis algumas medidas neoliberais implementadas por Reagan: elevação das taxas de juros e redução dos impostos dos ricos. No entanto, não acatou outra medida da cartilha neoliberal, o controle orçamentário. Gastou muito dinheiro numa corrida armamentista sem precedentes com a URSS, levando os USA ao maior déficit público de sua história. Dessa forma, a maior economia do mundo se transformou de principal credor do planeta em primeiro devedor do universo. (ARANTES, 1999: 08).
As idéias neoliberais chegaram à América Latina ainda na década de 1970. O Chile, com o General Pinochet, foi o primeiro país, antes mesmo que a Inglaterra, a implantar o modelo neoliberal. Cumprindo a risca o modelo neoliberal, caracterizou-se pela: liberalização da economia, alta taxa de desemprego, repressão sindical, concentração de renda em favor dos ricos e privatização de bens públicos. Pinochet foi o responsável por uma das mais cruéis ditaduras militares da América Latina, mandando perseguir, torturar, prender e matar os seus opositores, especialmente aqueles ligados ao governo de Salvador Allende. A aplicação do projeto neoliberal no Chile se deu depois da destruição do movimento operário e popular. Assim, não houve resistência significativa.
Outros governos da América Latina foram seduzidos pelo discurso neoliberal e começaram a implantar em seus países o neoliberalismo. Chegou no México com Salinas, com Menem na Argentina, com Carlos Andrés Perez na Venezuela e, em 1990, no Peru com Fujimori etc.
No Brasil, a adoção do modelo neoliberal se iniciou com o ex-presidente Fernando Collor de Melo e continuou com o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Os anos 1990 foram marcados, no Brasil, por um clima de perplexidade e de aflição geral, principalmente no modelo neoliberal de educação. Os governos Collor e Cardoso, de orientação neoliberal, caracterizaram-se por uma política educativa incoerente, combinando um "discurso sobre a importância da educação" e um "descompromisso do Estado" no setor, com um papel crescente da iniciativa privada e das organizações não-governamentais (ONGs) (SAVIANI, 1996).
Como observa Frigotto (1996), a tese central do neoliberalismo é de que o setor público (o Estado) é responsável pela crise, pelos privilégios e pela ineficiência. O mercado e o setor privado são sinônimos de eficiência, de qualidade e de eqüidade. A solução torna-se, então, o Estado mínimo e a necessidade de questionar todas as conquistas sociais, como a estabilidade de emprego, o direito à saúde, à educação e aos transportes públicos. O Estado deve ser reduzido a uma proporção mínima, apenas necessária para a reprodução do capital.
No plano educativo, o neoliberalismo traduz-se pela idéia central do mercado como mecanismo de regulação e que vai levar qualidade às escolas. O Estado deveria fornecer a cada família tíquetes (vouchers) que possibilita a sensação de comprar no mercado livre o serviço educativo que lhe convém. Por outro lado, muitas empresas privadas auxiliam escolas públicas, normalmente aquelas em que estudam muitos filhos de seus funcionários. Empresas de grande porte também constroem escolas para o uso exclusivo dos funcionários e de seus filhos, como a Nestlé faz na cidade de Marília. Evidentemente isso não sai de graça para os trabalhadores. A filantropia da parceria encontra-se, assim, elevada ao mesmo patamar que a política educativa do Estado (FRIGOTTO, 1996).
O neoliberalismo propõe novas respostas aos problemas produzidos pelo liberalismo com novas estratégias em âmbito mundial. Diante da miséria causada principalmente pelo endividamento externo, os teóricos do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e do Consenso de Washington criaram a política do ajustamento estrutural, ou neoliberalismo.
Esse ajustamento se orienta para a conquista e a fortificação da economia de mercado, como a melhor maneira de organizar eficientemente a produção e a distribuição de bens e serviços na visão dos capitalistas. Isso acontece através de estratégias como: redução e um controle rígido da inflação; controle do déficit público, feito através de cortes nas áreas da saúde, da educação e do setor social em geral; privatização, devendo o estado ficar o mais longe possível dos negócios.
Por outro lado, os capitalistas querem trabalhadores saudáveis e bem preparados para que as suas empresas possam competir no mercado internacional, galgando lucros maiores a partir da exploração dos trabalhadores. Segundo Frigotto, o que o neoliberalismo quer é um novo trabalhador, com
[...] boa formação geral, atento, leal, responsável, com capacidade de perceber um fenômeno em processo, não dominando, porém, os fundamentos científico-intelectuais subjacentes às diferentes técnicas produtivas modernas (FRIGOTTO, 1990: 221).
Para seus defensores, o neoliberalismo em vários itens se mostrou e/ou está se mostrando eficiente e nisso colocam o seu êxito. Em primeiro lugar, a prioridade mais imediata era deter a hiperinflação, e nisso o êxito foi inegável. Em segundo lugar, essa deflação deveria ser condição para uma recuperação dos lucros no mercado e nesse sentido, também, o neoliberalismo obteve êxitos reais, graças ao refluxo ou enfraquecimento do movimento sindical. Em terceiro lugar, ocorreu o crescimento das taxas de desemprego (exército de reserva), um mecanismo necessário para qualquer economia de mercado que queira ser eficiente. Finalmente, sustentam que o aumento da desigualdade salarial gerou a motivação para que os trabalhadores percebessem que, se trabalhassem bastante, poderiam conseguir melhores salários.
Em outras palavras, o salário da maioria da população, além de baixo, está congelado em nome de um controle inflacionário, enquanto que a classe alta, dos privilegiados, aumenta ainda mais os seus ganhos. Com certeza, o item que fez com que muitas pessoas aceitassem o ideal neoliberal foi a necessidade do controle da hiperinflação. Lembramos que em muitos países a hiperinflação foi aumentada propositadamente para induzir o povo a aceitar as políticas neoliberais.
Porém, observando os propósitos iniciais, vemos também o fracasso do neoliberalismo, no sentido de que não houve um aumento na taxa de crescimento de produção e consumo das economias capitalistas. O que ocorreu basicamente foi a explosão de transações puramente monetárias/financeiras que fizeram diminuir o comércio mundial e o investimento nas indústrias. Por outro lado, também, o peso do Estado de Bem-Estar não diminuiu muito, apesar dos cortes com gastos sociais. Isso aconteceu por duas razões básicas, o aumento de gastos sociais com o desemprego, e o gasto com pensões por causa do aumento de aposentadorias.
Neste sentido, fazendo um balanço do neoliberalismo, Anderson, escreve que:
É um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Este é um movimento ainda inacabado. (...) Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberalismo hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes (ANDERSON, 1996, p.56).
Diante desse quadro, podemos perguntar: quais as conseqüências dessa política? O Estado se transformou numa estrutura puramente burocrática, cheia de escândalos e mordomias, responsável em grande parte pela miséria dos países e pelo endividamento público e privado (esse o argumento dos neoliberais), além de não se preocupar com o bem-estar da população. Fica claro que as vicissitudes do Estado desenvolvimentista e/ou de bem-estar social foram usadas pelos políticos e ideólogos neoliberais para exigir a implantação de um "Estado mínimo". Neste sentido, a crise e o fim do socialismo real nos países do Leste Europeu veio dar mais razões ainda aos que defendem o neoliberalismo.
A atual conjuntura brasileira pode ser chamada de estado de exclusão social, porque uma enorme parcela da população vive excluída do acesso aos bens mínimos necessários a uma sobrevivência digna. Essa parcela pode ser classificada como não-cidadã, ou seja, além de não ter acesso a determinados direitos, não tem, juridicamente, direito aos benefícios mínimos que qualquer cidadão deveria ter assegurados.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho - OIT, "Apenas 30% da população está integrada ao mercado formal de trabalho. Dos 70% que se encontram fora, 30% não trabalham, 22% são subempregados e 18% são desempregados" (CNBB, 1995: 15). Isso fica claro quando observamos que o Brasil é um dos países com maior concentração de renda do mundo.
Em 1990, 1% da população usufruiu 14,6% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres tiveram que brigar para ter algum acesso a 11,2% da mesma. Outro indicador importante é o da concentração da terra, que costuma ser medido pelo chamado índice de GINI, que varia de zero a um. Esses números significam: zero quando a terra está totalmente distribuída, e um, quando está totalmente concentrada. Nos Estados Unidos o índice é de 0,30 e no Canadá é de 0,40. No Brasil o índice é de 0,86. Isso significa que aqui no Brasil o índice de concentração de terras é 50% mais do que no Canadá (CNBB, 1995: 15).
Referências Bibliográficas:
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, P.; SADER, E. (Org.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 9-38.
ARANTES, A. Neoliberalismo e liberdade do capital. Revista Princípios, São Paulo, 1999. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/principios/anteriores.asp, Acesso em: 22 nov. 2007.
CNBB. Revista Mundo Jovem, Porto Alegre, p.15, out, 1995.
CREMONESE, D. Neoliberalismo: o capitalismo globalizado. Ijuí/RS, 2001. Disponível em:
SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1996.
WALLERSTEIN, I. O declínio do poder americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
* Claudemiro Godoy do Nascimento é filósofo e teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutorando em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins - UFT/Campus de Arraias. E-mail: claugnas@uft.edu.br
Fonte: Claudemiro Godoy do Nascimento