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A luta Continua - Unidos Venceremos.
DOCUMENTO FINAL
Comunidade do Barro, 9 de março de 2009.
Nós lideranças indígenas Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Sapará, Wapichana, Wai Wai e Yanomami, integrantes de 286 comunidades indígenas das regiões: Amajari, Taiano, Serra da Lua, Baixo Cotingo, Raposa, Serras, Surumu, São Marcos, Wai Wai, Murupú e Yanomami, do Estado de Roraima e das organizações indígenas APIRR, OMIR, APTSM, OPIR, COIAB, COPING e Programa São Marcos, reunidas na 38ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas do Estado de Roraima, realizada na comunidade indígena de Barro, na TI Raposa Serra do Sol, entre os dias 06 a 09 de março de 2009, com a presença de 687 participantes, com a presença dos povos amigos Pankararú e Apurinã, além de convidados de instituições públicas, não-governamentais e de movimentos sociais, considerando a situação dos povos indígenas no estado de Roraima, refletimos sobre o tema "A luta Continua: Unidos Venceremos", e assim nos manifestamos:
DEMARCAÇÃO E TERRITÓRIOS
Ainda é grave a protelação do processo de reconhecimento oficial da TI Raposa Serra do Sol, que depois de quase quatro anos da homologação ainda não foi definido pelo Estado Brasileiro. Temos esperança que o julgamento do próximo dia 18 de março, pelo Supremo Tribunal Federal seja favorável aos povos indígenas.
Acreditamos que o STF vai colocar um ponto final neste conflito, uma vez que lutamos há 35 anos para essa solução. Ainda assim, 18 condicionantes propostas no ultimo julgamento só aumenta o preconceito e fere gravemente a nossa cultura, crenças, tradições, e sustentabilidade do nosso povo, em fim, ferem a Constituição Federal e a convenção 169 da OIT.
Essa demora tem gerados novos conflitos envolvendo os mesmos invasores de sempre, como por exemplo, o atentado contra a comunidade Dez Irmãos, nos dia 5 de maio de 2008, quando dez índios foram baleados e sofreram atentado a bomba praticado por invasores.
A lentidão do Estado Brasileiro ainda leva aflição às comunidades, pois pontes já foram queimadas, lideranças continuam ameaçadas e mortes ocorrem devido à presença de invasores.
Situação semelhante de invasões ocorre na área Yanomami, quando recentemente um líder indígena Yekuana foi assassinado por garimpeiros e seu filho foi baleado. Esse e mais um crime que esperemos não continue impune.
Denunciamos o uso, contrário à nossa vontade, de terras indígenas para a prática de contrabando de drogas e descaminho de combustível, além da prostituição infantil, tráfico de seres humanos e outros abusos.
Temos ainda casos de políticos com mandato que invadem as comunidades sem qualquer respeito, agredindo os indígenas, usando os eleitores indígenas num jogo de interesses que viola a nossa cultura.
Políticos antindígenas vêm exigindo que o governo federal se comprometa a não reconhecer mais os direitos territoriais indígenas no estado de Roraima como contrapartida à homologação da T.I. Raposa Serra do Sol. Querem garantir o esbulho das terras indígenas que foram retalhadas em ilhas nas últimas décadas, forçando a população indígena a migrar para a cidade e inviabilizar as solicitações de ampliação, asseguradas pela Constituição Federal.
As terras indígenas das regiões Serra da Lua, Amajari e Taiano foram demarcadas em ilhas, deixando de fora recursos naturais imprescindíveis. Tais necessidades foram colocadas nos pedidos de ampliação dos limites detalhando suas razões e celeridade na tramitação. Até o momento tais solicitações ainda não foram respondidas.
Exigimos:
1. Conclusão do julgamento da homologação da TI Raposa Serra do Sol conforme demarcada pela Portaria n°534/2005-MJ, contínua e sem condicionantes e com as providências necessárias para imediata retirada dos invasores e reintegração de posse às comunidades indígenas das ocupações ilegais;
2. Que sejam agilizados os re-estudos nas terras indígenas Anta, Jabuti, Canauanim, Malacacheta, Ponta da Serra, Serra da Moça, Truaru, Manoá-Pium, Aningal.
3. Ampliação das terras indígenas Moskou, Murupu, Alto Arraia, Tabalascada, Ouro, e Sucuba.
4. Que as terras indígenas demarcadas em ilhas sejam em área contínua.
5. Que o INCRA cumpra o acordo de manter a área da comunidade Lago da Praia para usufruto exclusivo daquela comunidade e que a Funai interdite e inicie imediatamente o estudo de identificação.
6. Identificação da TI Arapuá, região do Taiano;
7. Retirada dos invasores José Ribeiro da Silva da TI Pium e Benjamin da TI Boqueirão, na região do Taiano;
8. Que sejam retirados os invasores das terras indígenas Ponta da Serra, Anaro, Ananás e Santa Inês.
9. Paralisação do loteamento com os fins de urbanização de áreas da TI São Marcos no município de Pacaraima.
10. Providências para desintrusão imediata de todos os invasores, em especial dos que já receberam indenização, em grande parte, localizados na Região do Amajari, Surumu, Taiano e Serra da Lua;
11. Criação de Postos de Fiscalização e retirada dos garimpeiros, fazendeiros, madeireiros, pescadores na Terra Yanomami, das TI Araçá, Raposa Serra do Sol, Aningal, Jacamim e Wai Wai;
12. Criação de um posto da Funai para a fiscalização e atendimento da região do Amajari.
13. Retirada dos pontos comerciais que disseminam a bebida alcoólica nas vilas Mutum, Água Fria, Uiramutã, na região das Serras, Vila Pereira, na região do Surumu, Três Corações, TI Araçá, na região do Amajari.
14. Reafirmamos que o Lago do Caracaranã é um patrimônio dos povos indígenas desde tempos ancestrais.
15. A punição pela conduta desrespeitosa do antropólogo do Ministério Publico Federal convidado pela Assembléia, pois ao ser questionado sobre a bebida alcoólica nas comunidades por um dos tuxauas, ele se irritou e disse que iria processá-lo e prendê-lo, conduta que entendemos não ser correta para esse profissional.
NOSSO DIREITO AMBIENTAL
A atuação dos arrozeiros que durante anos atuaram ilegalmente dentro da TI Raposa Serra do Sol, trouxe grande degradação ambiental com a destruição do solo e a poluição dos rios. Estamos extremadamente preocupados em como vai ser recuperado um meio ambiente que foi degradado.
De outro lado, continua sendo jogado lixo das vilas dentro das terras indígenas. Por exemplo, citamos: Lixo da Vila Uiramutã na TI Raposa Serra do Sol; da Vila Pacaraima na TI São Marcos; da vila do Taiano no entorno da TI Barata-Livramento. Não podemos aceitar que os lixões dessas vilas, que foram criados irregularmente dentro de terras indígenas, sejam uma fonte permanente de poluição e doença para as populações indígenas.
Mais uma vez denunciamos a entrada ilegal de pessoas estranhas nas terras indígenas, que causam danos ambientais.
Os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional que afetam aos direitos dos povos indígenas, como o de mineração em áreas indígenas, a construção de hidrelétricas e pelotões militares deixam dúvidas sobre o futuro dos direitos da população que vive nestas áreas.
A gestão e exploração da terra indígena Raposa Serra do Sol onde está contido o Parque Nacional do Monte Roraima inspira preocupação por parte da população que vive e tira o sustento nesta região.
Exigimos:
1. Que a Funai, Ibama e Polícia Federal coloquem em funcionamento os postos de fiscalização nas terras indígenas Yanomami, Raposa Serra do Sol, São Marcos, Amajari e Wai-Wai.
2. Que seja feito um plano de recuperação ambiental para as áreas ocupadas pelos invasores da TI Raposa Serra do Sol.
3. Que sejam destinados recursos para apoio dos agentes ambientais voluntários e que a participação dos indígenas sejam efetiva e decisiva para o ingresso de pessoas nas terras indígenas.
4. A efetiva participação das organizações indígenas nas decisões para a autorização de construção de unidades militares, de construção de obras para a produção de energia elétrica e criação de parques nacionais na região de lavrado e que esteja contido em terras indígenas.
5. Que a criação de novas unidades de conservação ambiental estejam condicionadas a resolução definitiva dos processos que pedem ampliação de terras indígenas.
6. Que as áreas de conservação permanente somente sejam homologadas quando sejam resolvidos os processos de ampliação das terras indígenas da região da Serra da Lua e do Amajari.
7. Que sejam tomadas providências pelos órgãos ambientais quanto ao aumento da produção de acácia mangium no entorno das comunidades.
Recomendamos:
1. Articular ações interinstitucionais de proteção e manejo dos recursos naturais;
3. Realização da 1ª Conferência Indígena do Meio Ambiente;
NOSSA SAÚDE INDÍGENA
Manifestamos a nossa preocupação quanto à grave situação da assistência da saúde nas comunidades indígenas em nosso estado, especialmente dos povos ingaricó, macuxi, patamona, taurepang, sapará, wapichana, wai wai e yanomami.
A falta de investimentos adequados na estrutura física e de equipamentos para os postos de saúde, transportes e comunicação, a insuficiência dos medicamentos básicos e material de apoio aos médicos e os atrasos constantes nos repasses dos recursos para as conveniadas, demonstra a enorme incapacidade da FUNASA na gestão da saúde pública indígena, afetando seriamente a organização dos serviços e provocando o aumento de doenças, remoção para a CASAI e mortes na nossa população.
O agravamento desta situação nos últimos anos levou a uma insatisfação generalizada entre as lideranças e comunidades indígenas que reflete em todos os distritos sanitários indígenas do país.
Os projetos de abastecimento d água não estão suprindo as necessidades das comunidades servidas pelos sistemas já instalados.
Exigências
1. Mudanças profundas que eliminem a má vontade, burocracia, autoritarismo e as exigências políticas que entravam a lei de nosso povo na construção de uma saúde digna e participação da comunidade.
2. A continuidade do convênio firmado com a FUNASA para a execução de ações complementares da atenção básica a saúde indígena, com significativas melhorias pois no formato atual é inviável a sua execução e provoca graves distorções nos objetivos iniciais, gerando ônus político e institucional ao Conselho Indígena de Roraima.
3. A transição para ao novo modelo de gestão da saúde indígena aconteça o mais breve possível e que envolva os representantes legítimos dos povos indígenas.
4. Adequação a demanda de consumo dos sistemas de captação e distribuição d água nas comunidades onde já existem os sistemas e implantação de novos onde ainda não há distribuição de água encanada.
5. Que a escolha do coordenador do novo sistema de gestão da saúde indígena sejam indicados e escolhidos dentre os representantes dos povos indígenas
NOSSA EDUCAÇÃO INDÍGENA
Atualmente o quadro da educação indígena no estado de Roraima passa por um momento de transição e mudanças nas políticas educacionais referente ao concurso público indígena, processo seletivo, formação de professores, criação, legalização, construção de escolas, apoios pedagógicos e a inclusão dos nove anos do ensino fundamental.
Precisa-se de uma discussão no sentido de mudança política no sistema de admissão por concurso público para professores indígenas, pessoal de apoio e administrativo, uma vez que o atual sistema não atende as necessidades das bases educacionais dos povos indígenas.
Sofremos restrições por parte da Secretaria de Educação quando procuramos aprofundar a característica específica e diferenciada da educação escolar indígena. Quando desejamos implantar novas escolas com modalidades diversificadas, a Secretaria de Educação impõe regras que não levam em consideração as especificidades das comunidades, tornado o projeto inviável que ao final só prejudica a educação das crianças e jovens indígenas.
As escolas enfrentam a falta de investimentos na estrutura física, uma vez que a maioria delas funciona em casas construídas pela própria comunidade, e, recebem a nomenclatura de escolas estadual indígena.
Que todos os órgão públicos, sejam estaduais ou federais, respeitem a forma de organização social dos povos indígenas de Roraima, além das suas instâncias representativas, que estão distribuídos por etno-regiões.
Exigimos:
1. Debates nas bases sobre os professores não-indígenas que foram aprovados e tiveram um documento de aceitação ou não pelas regiões.
2. Concurso diferenciado para professor indígena em nível de município e estado.
3. Que os candidatos indicados pelas comunidades sejam contemplados nas contratações, inclusive os que estão no curso de magistério indígena TAMΨKAN.
4. Os projetos políticos pedagógicos da educação indígena diferenciada devem partir da iniciativa dos povos, tendo como premissa a decisão das lideranças, comunidades e suas organizações.
5. Por conta da demanda crescente de alunos e a peculiaridade da educação indígena diferenciada, há a necessidade vigente de reconhecimento de novas escolas.
6. É necessário que seja garantido recursos para a formação continuada dos professores indígenas em nível de magistério e superior, oficinas de elaboração, edição e publicação de material didático específico e diferenciado;
7. Parcerias e convênios entre FUNAI, FUNASA e outras entidades governamentais e não-governamentais ligadas com o magistério indígena.
8. Realização conjunta e coesa de trabalho com os centros regionais de educação indígena.
9. Formulação dos PPP's em cada região junto com DIEI, Núcleo Inshikiran, magistério indígena, coordenadores pedagógicos.
10. Inclusão social dos alunos portadores de necessidades especiais e elaboração de propostas pedagógicas.
11. Esclarecimento nas bases sobre o novo processo que está previsto para os nove anos para o ensino fundamental.
12. Que a construção das escolas nas localidades de difícil acesso seja executada pelas comunidades, e, ao final, os custos sejam revertidos em favor das comunidades
8. Que a Divisão de Educação Indígena possa ser transformada em Secretária Estadual de Educação Indígena pela demanda da escola no Estado;
13. Possibilitar e reconhecer oficialmente todas as escolas indígenas;
14. Apoio às organizações indígenas para que haja seminários informativos sobre a legislação da educação indígena para as lideranças, a fim de que possam ter informação acerca de seus direitos;
15. Que a secretaria de educação possa planejar e executar o atendimento do transporte escolar de acordo com as necessidades das comunidades indígenas.
16. Possibilitar a contratação de professores indígenas de língua materna para as escolas municipais;
17. Em respeito à organização social das comunidades indígenas, e ao direito de ter uma educação diferenciada, sejam consideradas como referências para o funcionamento e organização de atividades das escolas, os centros regionais, na responsabilidade dos seus coordenadores, sendo providenciada a estrutura física necessária para o seu pleno funcionamento e o transporte para as ações de acompanhamento pedagógico, orientação administrativa distribuição de merenda escolar, intercâmbio educacional entre as escolas indígenas e a conseqüente destinação e liberação de recursos financeiros pela Seduc.
18. Federalização do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol.
19. Que a secretaria de Educação do Estado acate o regimento dos Centro Regionais de Educação
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Queremos o desenvolvimento das nossas comunidades, com iniciativas que sejam por nós implementadas e que sejam sustentáveis em termos sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais. A comunidade indígena, de acordo com suas realidades tem desenvolvido diversas iniciativas que precisam ser apoiadas para garantir a sua auto-sustentação e geração de renda.
As iniciativas das comunidades devem ser apoiadas e ter acompanhamento para garantir o seu sucesso e continuidade.
Repudiamos projetos assistencialistas, fragmentados, desassociados da realidade do povo e região e que não visam o fortalecimento e autonomia das comunidades.
Recomendamos:
1. Que seja facilitado o acesso a programas públicos, para que as nossas comunidades e organizações possam manejá-los de acordo com as suas reais necessidades;
2. Que sejam disponibilizados recursos para apoiar os diferentes projetos que já estão em funcionamento nas nossas comunidades, bem como para a formação e capacitação necessárias;
3. Que os programas e projetos governamentais respeitem a formulação dos projetos pelas nossas comunidades e organizações, inclusive em termos de tempo.
Considerações finais
Encaminhamos esta carta às autoridades para demonstrar a nossa insatisfação com o atual situação de descaso em relação aos nossos direitos, apresentar as nossas reivindicações e propostas e para que saibam da nossa disposição em buscar a nossa dignidade de acordo com o tema dessa 38ª Assembléia Geral: A luta Continua Unidos Venceremos
Assinam as lideranças presentes na 38ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas de Roraima
Fonte: CIR - Conselho Indígena de Roraima