Aldo Di Cillo Pagotto *
Celebramos o centenário de nascimento de Dom Helder Pessoa Câmara, que tomou a alcunha de profeta nordestino, vivamente reconhecido no Brasil e no exterior. Por ocasião da visita do Papa João Paulo II, em 1980, no Recife, o Papa afirmou efusivamente: "Dom Helder é o amigo dos pobres. Por isso é meu amigo também".
A obra de Dom Helder comporta, em primeiro plano, os seus gestos e iniciativas. Suas práticas podiam ser acompanhadas pelo que falava e escrevia. Inesquecíveis, gravadas no coração e na memória do povo, suas alocuções, pela Rádio Olinda, ficaram famosas. A voz do pastor ressoa em suas tiradas com saborosa e inigualável presença de espírito. À inteligência com que Deus o dotou acrescentava-se sempre o bom humor e a enérgica tenacidade de afirmar verdades irrefutáveis.
O pensamento ou o nome de Dom Helder foram utilizados por gente da esquerda e da direita, ora distorcendo a intenção dos seus pensamentos, ora manipulando-os a favor de uma ou outra ideologia tendenciosa. Na vida tudo vem a descoberto. Quem utilizou o nome e o pensamento de Dom Helder para justificar tendências suspeitas, entretanto, não conseguiu praticar o que ele praticou. Houve quem quis imitá-lo. Utilizando-se dos ditos do profeta, reduziram-nos a uma falácia. Assim como produtos piratas, toda imitação tem pouca credibilidade, nenhuma consistência e dura quase nada.
A obra de Dom Helder, o profeta, permanece no espírito e nas atitudes fundamentais daqueles que seguem de perto Jesus Cristo e procuram vivenciar os valores do seu Reino de amor, justiça e paz. Como todo profeta, foi incompreendido por muitos e seguido por multidões. Um dos sinais do verdadeiro profeta é o discernimento, não a adivinhação.
Geralmente, o que acompanha o autêntico profeta é a visão magnânima sobre o presente, investindo no futuro melhor. O profeta genuíno possui, antes de tudo, uma perspectiva de fé e de esperança que não decepciona, nem o deixa cair no desânimo nem permite que as pessoas se desencorajem. Para além do cumprimento da profecia encontra-se a abertura de perspectivas e de iniciativas coerentes, baseadas em valores perenes e não em modas peregrinas.
Há algumas afirmações de Dom Helder que ilustram tudo o que estamos querendo dizer. Uma delas é esta: "Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo". Outra é característica de um lutador, que começa a vencer o seu próprio egoísmo para servir aos outros: "Somente as grandes humilhações nos levam ao recesso íntimo de nós mesmos, lá onde as fontes interiores nos banham de luz, de alegria e de paz". Para completar, ainda um terceiro pensamento: "As pessoas te pesam? Não as carregue nos ombros. Leve-as no coração".
* Dom Aldo Di Cillo Pagotto, SSS, Arcebispo da Paraíba - PB.
Fonte: CNBB