Tempo de ousar

Dom Walmor Oliveira de Azevedo *

O Eclesiastes, o homem da assembleia, seu significado na língua grega, apresenta o pensamento de um sábio ancião com o intuito de instruir os jovens. Suas ricas exortações para conduzir bem a vida incluem sábias indicações no capítulo terceiro. Vale a pena recordá-las para reavivar, em oração, no próprio coração, tão pertinentes advertências e indicações. Ele diz: "Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de destruir e tempo de construir; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedra e tempo de as ajuntar; tempo de abraçar e tempo de se afastar dos abraços; tempo de procurar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de jogar fora; tempo de rasgar e tempo de costurar; tempo de calar e tempo de falar; tempo do amor e tempo do ódio; tempo de guerra e tempo de paz".

Há, também, o tempo de ousar! Este tempo, o tempo de hoje, é tempo de ousar. É tempo de ousar em se considerando as grandes urgências e demandas para configurar adequadamente o horizonte novo que a humanidade procura. É tempo de ousar em se considerando quase completa a primeira década da história deste terceiro milênio, reclamando novas dinâmicas e entendimentos que recuperem valores perdidos e dimensões irrenunciáveis para o equilíbrio e saúde da vida na terra. São muitos os anseios para reconfiguração da organização social e política da sociedade mundial; a urgência de uma ordem nova para o funcionamento econômico para superação das crises que continuam afetando o equilíbrio da vida no planeta e, particularmente, os descasos e indiferenças para com os deserdados da terra.

Ousar neste tempo não é apenas arquitetar números impressionantes ou gabar-se de conquistas que acomodam. Ousar neste tempo, neste tempo de ousar, é abrir espaço para atuação e condução de lideranças que estejam movidas por valores espirituais e morais capazes de ajudar a humanidade, grupos sociais e diferentes segmentos da sociedade a fixarem o olhar para além das fronteiras do egoísmo e das comodidades individuais e territoriais. Esta competência tem quem se mover pela força aglutinadora e criativa de valores que sustentam uma permanente capacidade de altruísmo e de sonhar, entregando a sua própria vida pela causa, sem medo e sem mesquinhez.

Penam as instituições que não possuem estas lideranças. Amargam sem avançar as instituições que têm lideranças que ao contrário de iluminar, com a força de sua força espiritual e inteligência criativa, os cargos que ocupam, vivem o devaneio de serem iluminadas pelos cargos que ocupam. Não ousa quem ocupa um cargo ou desempenha uma responsabilidade, seja ela qual for, quem apenas encontrou, no cargo que exerce ou na responsabilidade atribuída, um lugar ao sol. Só ousa, neste tempo de ousar, quem cultiva dons e referências espirituais e morais que propiciam iluminação singular, com inovações criativas e propostas audaciosas, para os funcionamentos sob sua responsabilidade.

Neste tempo de ousar é tempo de combate à mediocridade que crassa por todo canto. A mediocridade é a contramão da coragem de ousar. Seus sintomas aparecem nas antífonas de lamentação, na justificação estéril de que isto já se tentou, na fixação do que já se fez, na incapacidade de posturas audaciosas que mudem dinâmicas de costumes e hábitos obsoletos e já irrelevantes. O ponto de apoio para ousar, a crise contemporânea está apontando, embora com dificuldades para se admitir, é uma base espiritual, transcendente e eivada de valores morais e éticos, como a fonte inesgotável do Evangelho de Jesus Cristo, sua vida e sua missão. O enraizamento em ideologias na contramão da espiritualidade e do contato com valores morais, bem como a arraigada concepção de que a economia, o mercado, definem a vida, atrasam o passo novo na capacitação para as exigências próprias deste tempo de ousar.

Agora é a hora do surgimento de lideranças que, apoiadas no fulcro de novos valores morais e éticos, assentadas na força da espiritualidade, tenham força para de congregação rebatizando sentimentos, ideais e fomentando a coragem de viver e lutar por razões mais nobres, comprometidas sempre com o bem de todos e com o sonho de uma nova ordem econômica, social e política. As inovações técnicas e mesmo as indicações estratégicas não terão consistência, com força de mudança, sem o sustento de lideranças que podem ousar porque têm este indispensável substrato para fazer ver e experimentar que a força que sustenta está para além da simples ideologia ou de comandos com cheiro de dominação. As instituições religiosas, governamentais, civis e todas as outras estão desafiadas a abrir o ciclo novo deste tempo novo, tempo de ousar.

* Arcebispo de Belo Horizonte

Fonte: CNBB

 

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